Dentes de coelho

Era uma vez um coelho malhado de dois anos que vivia enclausurado em sua gaiolinha tridimensionalmente quadrada e engradada. Ao contrário do que poderia se pensar, ele não ligava pra isso, não mais. Lembrou-se do início, do tempo em que o separaram de sua mãe em uma lojinha de animais e fora morar na minha casa. Era um coelhinho arisco, rude, o que me fez mudar a idéia que eu tinha sobre coelhos fofinhos-comedores-de-cenoura.

A criatura vivia tentando fugir, me morder, batia nas grades. (ódio, talvez.)

Mas ele foi mudando e mudando e até que ficou amável comigo. Então eu descobri sua farsa quando fugiu pela primeira vez, assim que abri a gaiolinha para pôr sua comida.

Puni-o com severidade, como se deve fazer. ( Deixei de visitá-lo por semanas.)

O coelho tinha nome, mas, ao menos para mim não importava. Aos poucos isso foi ficando cada vez mais irrelevante e, à medida que ele mais apático ficava, menos comia, estático, e eu tinha mais o que fazer além de ficar cuidando de coelho.

Daí eu arrumei uma coelha pra ele. ( heheh.)

E por um longo tempo os dois foram bem felizes; tiveram filhos, comiam juntos e o coelho tinha bem mais coisas a fazer do que antes. E assim foi, por anos.

(É chegada a hora.)

Um dia eu voltei. Olhei praquela família de coelhos; para a mãe, sempre ocupada com seus filhotes, que já eram muitos, e para o pai. O pai estava quieto, num canto, respirando como os coelhos respiram. Abri a gaiola. O coelho, mais coelho do que nunca, observou por dias aquela porta aberta.

By Dyego Saraiva.

dyegofss@hotmail.com

Serennus
Enviado por Serennus em 10/10/2006
Código do texto: T260650