O DIA DA INVASÃO

A televisão exibia a novela das nove, quando o plantão do jornal local foi ao ar, noticiando a invasão das casas no conjunto, construído pela Empresa de Construção Civil e Transporte - ECCT. O senhor Alfredo, recém-aposentado, há anos sob ânsia e agonia aguardava uma casa da construtora, pois viva dificultosamente em aluguel. Inclusive, no meio de tanta burocracia, ele passando da fase do preenchimento dos requisitos básicos, já havia sido comunicado, que estava entre as pessoas selecionadas pela empresa. Na verdade estava só aguardando a liberação do banco financiador, para então ocupar a sua tão esperada casa, pois vivia de aluguel.

Naquele dia, em sua humilde rede, de um susto quando assistia a tv, como uma bomba aquela noticia, o fez cair atônito. Foi como se um raio o tivesse atingido do nada. Então pensou ele: Perder a casa, a minha casinha. Isso não! Mais do que depressa, o senhor Alfredo, sob o ímpeto da dor e o desespero de ver o sonho da casa própria se perder, não contou história. Vestiu uma roupa mais aconchegante e se deslocou ao local da invasão. Lá chegando, entre policiais, repórteres e muitos curiosos, passou sem ninguém ver pelo cordão de isolamento, afinal quem iria desconfiar de um senhor de meia idade.

No entanto, ele surpreendeu a todos e correu feito uma criança, foi filmado por um dos jornais, foi alertado por um dos policiais, mas não tomou conhecimento e acabou se jogando pela janela aberta de uma das casas. Tomando posse imediatamente da casa, que já havia sido ocupada, pela invasora Elenice, que estava naquele momento noutro cômodo sonhando, que ao perceber um estranho invadindo sua área foi para cima e entre empurrões, xingamentos e quase agressão física de fato, não fora o senhor Alfredo ser um senhor de paciência moderada e a ocupante uma mulher, Maria vai com as outras, o negócio tinha terminado em crime.

Dona Elenice, morava nas proximidades, tinha sua casa na baixada da lagoa dos índios, que quando chovia tornava-se um verdadeiro igarapé sujeito a inúmeras doenças, visto que o lixo, as pontes, a falta de enérgia, os marginais e a falta de água potável se encarregavam de tornar a vida li uma sobrevivência.

Seguindo a visão e os conselhos de suas amigas, juntamente com a força aberrativa de vários homens, no entusiasmo dos camaradas resolveu também invadir as casas. Ela que era uma moça bonita, nos seus vinte e sete anos, apesar dos seus três filhos pequenos, cujo pai há muito não se sabia do paradeiro. Lutava sozinha, em casas de famílias do centro da cidade de Macapá, para obter o sustento dos seus rebentos. Era mulher direita, queria tudo certinho, mas também queria dar uma condição melhor aos seus filhinhos, como é natural do instinto humano e porque não dizer materno.

Histórias a parte, seu Alfredo e Elenice, após uma longa conversa, ficaram juntos ali, dias e dias, decididos a não saírem da casa, entraram em entendimento prévio e cada qual ficou numa parte da casa. O senhor Alfredo ficou na sala e dona Elenice na cozinha. E quando tudo parecia calmo, bombas de gás lacrimogênio começaram a cair na sala, na cozinha, nos quartos fazendo daquela noite, uma verdadeira noite de agonia. A confusão foi total, após o gás, o sufoco foi bem maior, gente passado mal, gente chorando, muita gritaria, crianças perdidas, queimadas e a opinião pública contra a ação policial; gente ferida – senhoras e senhores - saindo totalmente do controle da policia. Os moradores começaram a reagir com paus e pedras, enquanto lá naquela casa, com medo dona Elenice em pânico começou a chorar intermitentemente e o senhor Alfredo, humano como ele era foi em seu auxílio.

Lá fora parecia um campo de guerra campal, pancadaria, jornal, fogo, tiroteio e ambulâncias. Lá pelas cinco da manhã, após uma chuva forte, que acalmou os ânimos as autoridades e os invasores chegaram a um entendimento, enquanto lá naquela casa, Elenice com medo adormecia o cansaço e a carência nos braços do senhor Alfredo.

Sem o que dizer no silêncio e na escuridão, entre as paredes solitárias da casa e o momento do mundo de cada um deles, Alfredo se aventurou num carinho nos cabelos daquela moça maltratada, que mesmo semi acordada, como a precisar, preferiu consentir sem dizer nada.

Tudo resolvido lá fora, os invasores foram convidados a sair, quando Alfredo, um senhor de cinquenta e oito anos, solitário acorda aquela moça, ela o olha com ternura, como a lua deve olhar a terra em noites de estrelas. E quando todos estavam indo embora, o senhor Alfredo, por ter sido filmado, foi convidado pelo reporte a explicar a sua atitude desvairada, quando do nada, Elenice volta, da um beijo no rosto do senhor Alfredo, lhe entrega um papel com endereços, de sua casa e de seu trabalho. O que o motiva dizer ao vivo: - Quando vi o meu sonho de casa própria se perder pela invasão, a minha reação foi louca. Foi de vir aqui e tentar algo, afinal há tantos anos que espero essa liberação e não era justo perder agora. No entanto, me dei conta, que nesse meu ato, não estava só a minha casa, como também a mulher de minha vida. E os dois vivem juntos até hoje.