Hora Certa

Rafael olhava pela janela entreaberta da sala, observando a chuva forte que começara a cair na cidade. Adorava sentir aquele cheiro de terra molhada que lhe invadia as narinas. Olha para o relógio e aciona o despertador. Constatou que faltavam apenas algumas horas para seu encontro com Eloísa, uma namoradinha que arrumara numa dessas noitadas de bebedeira que costumava fazer com os amigos. Sempre conseguia arrumar umas mulheres pilantras ou as do tipo que é necessário ter carro e dinheiro para conquistá-las. Mas Eloísa era diferente, até o beijo e o sorriso dela eram diferentes. Fora ela quem o conquistara naquela noite, na verdade. Quando ele a vira dançando no meio da pista com suas amigas largou sua cerveja na mesa e resolvera tentar a sorte com aquela moça de pernas grossas e que usava um vestido preto tão curto que lhe fazia suar até as palmas das mãos. Não sabia porque estava tão nervoso quando se aproximou o suficiente para lhe falar.

- Oi, me chamo Rafael e tu?

- Quer saber meu nome pra que? Pra tentar me passar uma cantadinha sem graça?

Rafael nunca fora desprezado por uma mulher antes, até esse dia. Sentira-se chocado com aquela resposta. Ele podia simplesmente ter virado as costas e ido embora, mas tentou usar o charme que sabia que tinha com aquele sorriso que deixava as mulheres com os joelhos enfraquecidos.

- Poxa, como uma moça tão linda pode pensar uma coisas dessas de mim? Só quero saber teu nome, posso? – Ela revirou os olhos mostrando certa impaciência, já era o quinto cara que vinha com esse papinho de moça linda pra cima dela.

- Se eu te disser meu nome tu me deixas em paz?

Rafael estava tão surpreso que seu charme não estava funcionando que tentou arriscar mais um pouco com a moça de olhos verdes.

- Está bem, se me disser o teu nome te deixo em paz!

- Me chamo Eloísa!

- Humm, então muito prazer Eloísa, eu me chamo Rafael!

E ali ele ficou, dançando como se não quisesse nada.

- Tá e aí, tu não ias me deixar em paz se eu te dissesse o meu nome? Agora te manda!

- Mas e por acaso estou te perturbando de alguma forma? A pista de dança é livre, estou aqui só dançando! – Sorriu-lhe de volta e deu uma piscadinha com o olho. Mas o problema de Rafael é que ele não aceitava não como resposta, então continuava a insistir com a moça.

- Mas e aí, tu vens sempre aqui? – Eloísa parou de dançar e virou-se para ele de súbito e lhe lançou um olhar felino.

- Nossa, mas tu és muito criativo hein Daniel! Por que será que os homens só têm esse papinho hein? Será que é genético? Vai ver que é por isso que não conseguiu pegar nenhuma mulher essa noite!

O rapaz, apesar de indignado, não conseguiu sair do lado daquela mocinha tão bela.

- Bom, em primeiro lugar meu nome é Rafael e não Daniel como tu falou!

- Que seja, dá no mesmo, já que se tu se chamasse Daniel iria me falar as mesmas besteiras que falou.

- Bom, em segundo lugar, só estou tentando puxar um papo, ser amigável, e não me interessa nenhuma outra moça desse lugar, só tu, senhorita Eloísa! Só queria tentar conversar contigo e quem sabe te oferecer uma bebida?

- Ah sim, agora quer me embriagar pra me levar a algum lugar pra passar a noite contigo!

- Nossa! Mas tu não dá uma brecha hein? Tu estás aí com quatro amigas e eu estou ali com mais quatro amigos, o que custa a gente sentar em uma mesa pra beber alguma coisa e conversar um pouco? Prometo que não vou tentar me aproveitar de ti e nem pagar a tua conta se for o caso, bom pelo menos eu posso tentar não me aproveitar – e Rafael caiu na gargalhada.

Eloísa não conseguira mais resistir e rira junto com ele. Tinha que dar o braço a torcer, pois o cara até que era meio engraçado.

- Tudo bem, mas vê se muda esse papinho do tipo “tu vem sempre aqui?” ok?

- Tá bom, eu prometo que vou tentar ser mais inovador daqui pra frente.

Eloísa lhe sorrira de volta e convidara as amigas para irem com ela à mesa de Rafael. Após as devidas apresentações, Beto, um dos amigos do rapaz pergunta às garotas:

- Então, as gatinhas vêm sempre aqui?

Eloísa olha para Rafael, como quem diz “viu o que eu falei?”, mas ambos caem na risada.

Foi o suficiente para quebrar o gelo.

Os olhos de Rafael não desgrudavam dos olhos de Eloisa.

Papo vai, papo vem, até que ela aceitou que ele lhe acompanhasse até sua casa. Ao chegar ele se sentiu como um adolescente. Ficou tímido diante dela. Não sabia o que fazer, ou melhor, sabia, mas ficou sem saber como fazer... Até que Eloisa lhe deu uma sacudidela:

- Chegamos! Enfim conseguistes tudo o que querias? - E sorriu.

- Não! Falta isto. - E beijou-a com suavidade.

Como não houve reação negativa por parte dela, lascou outro beijo, agora mais ousado.

Eloisa correspondeu ao beijo e em seguida enlaçou-o com os braços.

Despertaram daquele delicioso instante com a luz dos faróis de um carro e sua buzina estridente.

Rafael havia parado o carro em frente à porta da garagem do edifício onde morava Eloisa.

- Por que não observou isso? – Berrava o morador indignado de dentro do carro.

Os dois voltaram ao estado “normal” enquanto ele dava ré no carro. O clima estava desfeito. Antes que ela saísse o rapaz conseguiu fazê-la aceitar seu convite para sair no dia seguinte.

Agora, estava ele, ali, contemplando a chuva e pensando nela. Já se barbeara, tomara banho, se vestira e colocara o mesmo perfume da noite anterior, talvez o perfume tivesse dado sorte.

- Este perfume será minha marca registrada, ele me ajudará a ser sempre lembrado por ela. A hora combinada está próxima, por que me sinto tão nervoso, afinal não é a primeira garota com quem saio! Cuidado garoto, vá com calma... Ela parece uma garota especial, mas tu mal a conheces! – Falava Rafael consigo mesmo.

Rafael desceu até a garagem para pegar seu carro, enquanto isso seu pensamento estava voltado para ela, Eloísa.

Tirou o carro da garagem e quando já havia andado alguns metros na rua, começou a cair um tremendo temporal que embaçou os vidros de tal maneira que ele não enxergava mais nada. Olhou o relógio, estava com pressa, mas teve que parar. A chuva parecia estar brincando com ele, testando suas emoções, já não sentia aquele cheiro gostoso da água caindo na vidraça e molhando a terra do jardim.

A ansiedade aumentava na medida em que se lembrava do beijo tão correspondido por ela. Novamente suas mãos suavam frio e o coração acelerou. As gotas rápidas e grossas da chuva dificultavam a visão de Rafael, que nem sentia mais a direção, era como se viajasse no tempo... Mas afinal porque se sentir tão nervoso? O que de fato poderia acontecer? Se Eloísa já havia reagido bem aos primeiros beijos, o pior já havia passado. A conquista fora feita na festa, entre piadinhas e sorrisos ele conseguira tirar a amargura da moça em poucos minutos de conversa boba.

Rafael sempre fora um cara, apesar de inseguro, muito intuitivo. Normalmente era de praxe saber o que falar a uma menina na balada, afinal para ele todas tinham interesse em seu Peugeot e seu perfume Armani, o qual sempre passava exageradamente para provocar boa sensação ao ouvirem seu fraco diálogo. Mas, desta vez havia algo errado em sua intuição aguçada. Não conseguia ler Eloísa e nem mesmo saber se ela tinha de fato, algum interesse. Afinal, ela não aceitara que ele pagasse sua conta, não se impressionara com seu carro chiquérrimo e nem mesmo quando ao levá-la em casa ele disse:

- Se estiver com frio, podemos ligar o aquecedor dos bancos!

- Não, muito obrigada. Estou bem assim. – respondeu Eloísa, sem mesmo ficar surpresa com a modernidade do automóvel.

Biiii-biiii, uma buzina ensurdecedora zuniu seus ouvidos. Uma mulher passava histericamente dirigindo um gol branco e velho, daqueles quase caindo aos pedaços e que deixam o escapamento arrastando no asfalto provocando faíscas. Deveria estar dizendo um monte de obscenidades, mas Rafael nem ouvira, o som estava a milhão em sua mente, e a histérica passou quase despercebida. Estava há uma quadra somente do prédio de Eloísa, resolveu ligar para o celular dela, e não obteve sinal.

- “Fora da área de cobertura ou desligado” - ouvira.

Chegando, estacionara na frente da garagem novamente, e tentou ligar mais uma vez, antes de resolver tocar o interfone, mas continuou ouvindo a mesma mensagem de desligado. Desceu do carro, ofegante, respiração forte, rosto levemente contraído. A cerveja que tomara antes de sair de casa, não havia ajudado sequer a diminuir a ansiedade do corpo, que balançava desengonçado enquanto ele caminhava no sentido do portão.

Com as mãos suadas, retira o papel da calça jeans, onde havia anotado o número do apartamento. Lê 201. Toca. Cerca de poucos minutos depois, atende um homem, com voz rouca e grossa. Estranho, ela havia me dito que morava sozinha.

- Desculpe, acho que me enganei de andar.

- Mas quem é que tá falando?

- Eu, eu... Bem eu queria falar com a Eloísa, é deste apartamento?

- Sim, e quem é que tá falando, rapaz? – falou o homem com um tom muito brabo e já exaltado.

- Hum... Rafael. Um amigo da Eloísa – ele disse, ainda confuso.

Algum tempo depois, Rafael ouviu o barulho do portão sendo aberto e, após alguns segundos de hesitação, ele empurrou o mesmo, entrando no prédio e subindo até o apartamento de Eloísa. Um homem alto e magro, com cabelos brancos e um óculos que o deixava com cara de tartaruga, o estava esperando com a porta aberta.

Rafael se aproximou e esticou a mão, a qual o homem apertou com força demais e fez Rafael abafar um leve gemido. Um aperto firme e forte pensou o rapaz.

- Entra Rafael. – O homem disse e Rafael entrou, olhando em volta. O apartamento, apesar de simples e pequeno, era bem aconchegante, mas não havia nenhum sinal de Eloísa ou de qualquer outra pessoa na casa.

O homem fez sinal para que Rafael se sentasse, o que ele fez sem questionar após passar os olhos mais uma vez pela sala. Havia alguma coisa estranha... Sim, com certeza este era o prédio que havia deixado Eloísa na noite anterior, mas onde estava a moça? Haviam combinado de sair juntos, seu segundo encontro. Será que ela estava lhe pregando uma peça? Na noite anterior, ela havia sido fria com ele para depois mudar e se tornar a menina divertida e meiga que havia realmente roubado seu coração. O homem pigarreou, tirando Rafael de seu devaneio, falando com a mesma voz grossa, mas com um tom bem mais suave.

- Eu sou Jorge, pai da Eloísa. – ele disse e Rafael fez um gesto positivo com a cabeça.

- Prazer – Rafael disse e olhou mais uma vez ao seu redor, se mexendo meio desconfortável na poltrona branca. Ele abriu a boca para falar, mas o homem falou de novo.

- Você era muito amigo da minha Eloísa?

- Nós nos conhecemos em uma festa...

- Ah, uma festa! Eu sempre disse para ela... Quando tu fores sair e beber nem que seja uma cerveja, pega um táxi de volta, filha. Não põe tua vida ou dos teus amigos em risco. Minha Eloísa sempre foi uma menina que gostava de sair para dançar, sempre cheia de vida... Adorava dançar, aquela menina! – ele disse olhando para Rafael com um sorriso melancólico – Aposto que vocês se conheceram enquanto dançavam, estou certo?

- Sim, senhor. Nos conhecemos na pista de dança.

- Essa era minha Elô!

Cada palavra que o pai de Eloísa dizia fazia com que Rafael ficasse cada vez mais confuso, nervoso e desconfortável, ainda mais com o homem falando tudo no passado.

Rafael pigarreou e olhou para Jorge.

- Ela vai demorar, senhor? Ontem, quando eu a deixei na porta do prédio nós combinamos de sair hoje e... – ele parou de falar ao ver a expressão de confusão nos olhos do homem mais velho sentado no sofá ao seu lado.

- Ontem à noite, meu filho?

- Sim, senhor. Nós nos conhecemos ontem à noite na Liquid.

O homem apenas balançou a cabeça e se levantou, sumindo pelo corredor. Rafael passou a mão nos cabelos sem saber exatamente o que fazer... Deveria esperar o homem voltar ou segui-lo pelo apartamento? Estava se sentindo dentro de um daqueles antigos programas americanos de televisão chamado Twilight Zone. Rafael suspirou e se levantou, seja o que fosse não ia ficar ali parado esperando. Havia combinado de sair com Eloísa e se vira em uma situação totalmente fora da realidade. Se isso era alguma brincadeira, era de muito mal gosto e ele não estava gostando nada. O que realmente estava acontecendo? Onde estava Eloísa, afinal de contas? Era só o que ele conseguia pensar!

O adolescente brincalhão e tímido viu-se sério por alguns instantes. Na beirada do sofá, esperando um alento que fosse, com aquela sensação de saudade de quem mal lembra o rosto, procurando algum retrato nas estantes, se depara com um Schnauzer triste à sua frente. Frágil, pequeno, magro, mas aparentando estar limpo, cuidado e cheiroso. Situação idêntica a sua.

- Por que estou me sentindo assim? - Sussurra ao cachorrinho.

O pequeno se aproxima de Rafael, põe sua cabeça sobre os tênis, dá uma fungada e ali fica esperando. Espera não se sabe o que. Os dois estão aturdidos por uma melancolia. A dúvida causa a tristeza nesse momento. Ela não vem sozinha; vem do medo, da dúvida, do peso por ter sido pego no contrapé do coração. Ele não esperava gostar de alguém, tampouco nessa situação. Não contava que iria conhecer o pai de Eloísa, o cachorro, a casa da moça, e essa angústia.

O senhor Jorge volta pelo corredor com as suas rugas entristecidas, acordando o pequeno cachorro.

- Meu filho, ela não está. Provavelmente ela esteja...

Rafael abruptamente interrompe o velho, levanta e pergunta se pode abrir um pouco a janela. A tristeza parece se reverter em pavor.

- Pelo amor de Deus! O senhor precisa me dizer alguma coisa! O que tá acontecendo? Sinceramente, não esperava conhecê-lo, nem estar me sentindo assim...

- Eu não sei... – Instaurou-se uma dúvida sobre a outra.

Ambos ouvem um girar de chave. Ouvem mais: querem ouvir a voz da menina, da mulher, da esperança.

- Boa tarde! Quem é a visita?

Dois olhares encontram o precipício.

- Mas que caras são essas? Quem é o rapaz, seu Jorge? – pergunta a mulher.

- É um amigo da Eloísa.

- Hmm. Prazer em conhecê-lo, seu moço! Qual é o seu nome?

Após dois segundos de silêncio...

– Rafael, senhora...

- Vocês viram a Elô? O seu Clóvis disse que ela saiu desbaratinada que até os sapatos acabou deixando na portaria.

- Como assim? - Perguntam os dois quase uníssonos.

- O seu Clóvis disse que de manhã um rapaz deixou ela na portaria e logo veio um carro prata buscar Elô.

Rafael pôs-se a pensar. Pensar? A única coisa que ainda não conseguira nesse dia.

- Então essa rapariga saiu de novo. Que ela tem na cabeça, hein?! Avisar, NEM PENSAR! Essa putinha me paga – berra o velho Jorge. - Logo se desculpa com Rafael e vai pegar as chaves do carro. Convida Rafael para ir com ele.

- Anda, vamos lá. Conheço o delegado da 2ª DP.

No carro o pai fala sobre um ex de Eloisa com quem ele não partilha as melhores afeições. Fala sobre as brigas de Eloisa com ele, que ouviu ele pelo telefone da sala.

- Ele realmente não sabe tratar uma mulher. Deveria tomar uma sumanta de pau... Dentro e fora da cadeia!

- Como assim?

Agora mais próximo de Rafael diz:

- Cara, tu me parece um guri direito. Tem carro? Usar roupa decente tu usa. Esses piá de MERDA vão pras festas e acham que as gurias são um rebanho de novilhas no cio...

- Mas algumas são mesmo! – interrompe.

- Eu sei! Já fui guri novo. O que quero dizer é que mesmo elas aparentando ser um rebanho de vacas esperando por sêmen, algumas não são; são meninas direitas, que estudam, se preocupam com a vida... – De repente um carro corta a frente e causa mais furor no velho.

- FILHO DA PUTA!!! É disso que to falando!!! Ninguém respeita ninguém!

O pavor agora é real. Quase batem no poste do semáforo.

- Tá, mas quem é esse cara? – Pergunta o guri apavorado.

- É um guri de merda, tipo esse que cortou a gente.

- Mas quem? Ele tem nome? Onde mora? O que faz da vida?

- É um filhinho de papai que pega o carro emprestado do velho, desce o elevador com um sorriso de bom-moço pras velhas que ele na verdade odeia, corta o cabelinho com aqueles putão que cobram cento e cinqüenta contos pra desbastar o topete e picotear atrás, faz academiazinha pra criar peitinho e impressionar as guriazinha... Mas na verdade gosta de dar o rabo. Filho da puta! Ah! Onde ele mora? NO INFERNO, esse será o próximo endereço dele!

Rafael não sabe se dá uma gargalhada ou chora.

- A gente vai ali na delegacia prestar queixa, fazer o tal B.O. ou o que?

- Tu tá até louco, né guri. B.O.! Vê se eu tenho cara de B.O. Vou pegar o endereço certinho com o delegado e vou eu mesmo lá na casa desse merdinha.

O clima da apresentação entrega vários anos de amizade entre o pai da moça e o oficial da polícia. O recepcionista mandou Jorge entrar sem apresentação.

- Opa! Olha só quem veio me visitar! Como está, rapaz?

- Olha pra minha cara e vê se ganhei na Mega Sena.

- Quem é o guri?

- É um amigo da Eloisa. Ele tem umas coisas que pode ajudar no conhecimento da causa da nossa vinda.

- Então, qual é o teu nome?

- Rafael Gusmão - Responde “no seco”.

- Desembucha! – Retruca o delegado.

Com um engasgo no gogó e sem conseguir engolir a saliva responde:

- Bom... Ontem eu conheci a Eloisa na festa e tal. Levei ela em casa...

- Hum – Faz o delegado olhando nos olhos do velho.

- Peguei o número do apartamento e o telefone dela. Resolvi nem ligar, só fui lá.

- É, o rapaz chegou lá hoje e me contou a mesma história.

Jorge então conta sobre o ex-namorado, seus motivos pessoais junto do seu desgosto e a preocupação com sua filha. Pede ao delegado que verifique no sistema o endereço e de lá saem com a seguinte recomendação: “vão com calma. Qualquer coisa me liguem!”.

Bairro de classe média, zona nobre, carros caros, mulheres vestindo roupas caras. Seria um cativeiro de elite?

- Boa tarde! Gostaria de falar com alguém do apartamento 404.

- Ok, só um instante.

- Pai! – Eloisa estarrecida com a presença do rosto de seu pai no monitor do interfone.

- Desce daí agora que depois a gente conversa.

- Mas pai, o...

- Tô te esperando aqui no hall do prédio. Cinco minutos!

Desce então a princesinha do pai em trajes de festas, de dia, com tempo nublado e sem os sapatos. Eloísa sobe no banco de trás do carro e os dois seguem mudos na frente. A explosão parece ser iminente. Todos estão apreensivos e ansiosos. Rafael não move um único músculo. Jorge só meche a cabeça para olhar os cruzamentos e semáforos.

Acaba a espera.

- Me dê um único motivo pra eu não matar aquele filho da puta! – Fala com a expressão facial aparentando ser o maior dos monges tibetanos, de tanta calma.

- Porque ele vai ser o pai do nosso filho.

- Isso não é e não pode ser verdade, Eloísa!!!

Rafael chega a olhar para o encaixe do cinto de segurança na esperança de, ao lado, ter um botão escrito “Ejetar”. “Onde é que eu me meti?”, é o que Rafael não para de pensar, porém não consegue exalar qualquer barulho.

- E agora, meu Deus? – Sussurra o futuro avô, tentando ter alguma calma e discernimento com a situação. Parece ir rezando até em casa, enquanto Rafael e Eloísa mantêm-se calados. Eloisa está apreensiva, contando quantos elos tem a sua correntinha de ouro. Pensa na situação em que colocou Rafael, na preocupação que fez seu pai passar, no filho que traz no ventre, na relação clandestina que levara com o ex-namorado.

- Pai, eu gosto dele – Diz após alguns minutos sentada ao lado do suposto “ficante” e seu pai, o qual estava pensativo com a mão escorando a cabeça e o cotovelo no braço do sofá.

Ela sente mais confiança para se abrir. Seria a primeira vez que faria isso, após a morte de sua mãe. Faria isso logo na situação mais extrema de sua vida. A mãe morrera no parto de seu irmão mais novo.

- Tem mais problemas do que tu pensas Eloísa, além desse que o desgraçado fez contigo. Tu sabe do teu problema – Eloísa herdou geneticamente da mãe um útero incapaz de proporcionar ao feto as condições ideais ao seu desenvolvimento.

Pensativa e esperançosa, Eloísa diz:

- Mas eu só estou aqui por um milagre ou porque a mãe se cuidou durante a gestação?

Rafael se pega pensando em como seria ser pai. “Mas como?”, se perguntava. “Sou muito novo para isso. Mal tenho dinheiro para manter minha vida, que dirá uma casa e milhões de fraldas descartáveis”. Seus engodos aos poucos fazem distanciar seu espírito daquele lugar. Vê-se longe. Queria aquela mulher. Queria aquele ser. Queria cuidar. Queria ser cuidado...

Um barulho de alarme desperta Rafael, que estava praticamente deitado na poltrona branca. Eloísa aparece no corredor do apartamento e o olha com carinho.

- Tô pronta! Desculpa ter demorado tanto pra decidir que roupa usar, já que tu não me falou onde iremos jantar! O que houve? Tu estás tão pálido!

- Hum... nada não, só tive um sonho muito estranho!

- Nossa, eu devo ter demorado muito mesmo pra tu ter pego no sono!

- Tudo bem, eu acertei o alarme do relógio pra não nos atrasarmos pra nossa reserva desta noite! Ficastes pronta na hora certa!

Entre risadas e beijos o casal entra no elevador. A chuva fica mais forte. Porém o som ainda é baixo perto do seu desejo de ficar com aquela moça que tem o sorriso mais lindo. Ele lança mais um olhar para o relógio de pulso, 22h30 mostram os ponteiros.

OBS: conto criado em grupo para a cadeira de Oficina de Criação Literária da PUCRS (Escrita Criativa)

Autores: Lizy Tequila, Vânia Caldeira Ramos, Vanessa Becker, Melissa Marsillac, Ivan Pielke

Lilith Góthica
Enviado por Lilith Góthica em 21/11/2010
Código do texto: T2627506
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