O Gato

Todos os dias, às três da tarde, Félix ia visitá-la. Aquela era a hora perfeita para o encontro: o pai saía para o trabalho, a mãe tirava seu longo cochilo e o irmão só voltava da escola às cinco e meia. Marília ficava completamente sozinha.

Esses encontros vinham acontecendo já fazia mais de um mês. Tudo era perfeito. A única coisa que incomodava Félix era a constante presença de um observador um tanto inconveniente durante seu namoro. Era o gato de Marília, aquele gato horroroso, de olhar malvado, que parecia estar sempre tentando intimidá-lo, sussurrando ameaças, chantagens, um perfeito mau-caráter. Félix temia aqueles olhares do gato, embora não soubesse a razão do medo. Parecia sentir que de alguma forma o gato iria denunciá-lo aos pais de Marília, narrar-lhes seus encontros amorosos, humilhá-lo em público e depois rir de sua desgraça.

Félix procurava se convencer de que seus temores não faziam o menor sentido. Tentava convencer-se de que aquilo era apenas fruto de sua ansiedade, do medo de ser descoberto, de sua consciência aguilhoada. A alma cheia de culpa é capaz até mesmo de fazer gatos falarem. No entanto, Félix não conseguia sobrepujar seu próprio medo, não conseguia vencer aqueles olhos brilhantes, que ardiam dentro de sua alma.

E assim, nos dias que se seguiram, seu medo foi se tornando cada vez maior. Félix já não podia mais suportar a presença ameaçadora daquele animal detestável durante suas tão prazerosas sessões de amor. Certa vez, enquanto Félix beijava os lábios de sua doce amante, entreabriu os olhos e avistou o olhar terrível do maldito bichano, que desta vez parecia sorrir-lhe, com um sorriso sarcástico, malicioso, como se já se divertisse com a iminente desgraça do pobre amante. Mas como era possível? Gatos não sorriem! Mas este sorria, e sorria-lhe como um demônio que ansiava por arrastar sua alma para o inferno.

O susto foi tamanho que Félix violentamente afastou Marília de si. A moça obviamente achou que o rapaz havia avistado alguém, mas estranhou ao olhar em todas as direções e ver que tudo permanecia calmo como sempre era. Ao indagá-lo sobre o motivo de tal atitude, Félix não soube responder. Ao cair em si, sentiu-se embaraçado. Quis disfarçar e retomar o beijo, mas não conseguiu. Não podia mais suportar um segundo sequer aquele inimigo infernal. Inventou uma desculpa qualquer para ir embora e saiu às pressas, quase como um fugitivo.

A caminho de casa, Félix encontrou o pai de Marília, que lhe lançou um olhar que o incomodou profundamente. Sabia ele do seu grande segredo? Mas como poderia sabê-lo? Era impossível que alguém o tivesse contado, pois nunca havia ninguém por perto, nenhuma testemunha, exceto... Não, não fazia o menor sentido. Félix começava a sentir que estava enlouquecendo. Estava muito perturbado com aquela situação. Gatos definitivamente não falam!

Aquilo se tornou um imenso pesadelo. Félix começava de fato a sonhar com o gato, ter pesadelos terríveis. Já não dormia mais à noite. Durante duas semanas se absteve das visitas à casa de Marília. No entanto, ele sabia que não poderia fugir assim o tempo inteiro. Teria que ao menos dar alguma satisfação à sua amante.

Enfim, por acaso, os dois se encontraram na rua. Foi muito difícil, mas Félix teve de pôr um fim àquele relacionamento. É óbvio que ele não explicou o verdadeiro motivo do fim do romance. Apenas disse que já não suportava o peso na consciência por estar fazendo algo que “sabia estar errado”. Marília estranhou aquela conversa, mas teve que aceitar a decisão de seu amante de outrora. Era o fim de um romance que durara um mês e meio e que lhes fora tão agradável.

Passados alguns dias, Félix já se sentia muito melhor. Já não pensava mais em Marília. A paz de espírito que ora sentia por não mais ser atormentado pelo olhar daquele gato desgraçado o fizera esquecer aquela paixão que antes fora tão intensa. Estar livre dos pesadelos era muito melhor que os beijos de Marília.

Caminhando pela rua em uma calma e fresca tarde de sábado, Félix avistou a casa de sua antiga paixão. E lá estava o bichano, estirado no chão do terraço, descansando sossegadamente. Quão dócil e inofensivo ele parecia agora! Um gato, um simples gato doméstico, incapaz de sequer perseguir um camundongo. Félix sentiu-se ridículo. Como pôde abrir mão de sua grande paixão, de suas deliciosas aventuras amorosas de todas as tardes por medo de um simples gato? O que fazer agora, já que se dera conta de que jamais houve qualquer perigo real? Reatar o romance? Não. Félix preferiu não mais correr o risco de ter que enfrentar novamente aquele velho fantasma que tanto o atormentara.