Uma História de Revolta.

A vida tem que ser surrada para valer a pena. Recordo-me da infância quando em dada passagem convivi com aquelas criançonas enfadonhas, filhas de papai mandou, e que viviam o peido de cada dia, se empanturrando de bolachas recheadas. Eram suarentas e sebosas, enfastiadas com todo tipo de brincadeira que exigisse esforço, e que gostavam por sinal de torturar coleguinhas mais fracos fisicamente. Eu fui um deles, um dos torturados, mas jamais um porco enfadonho.

Nada contra os gordos, longe disso. Mas um deles que me torturou por ser maior e mais gordo foi o Fernando Gordo, como era conhecido. Uns o chamavam de “gordo baleia, saco de areia”, mas eu não me dava ao luxo de tanto, pois, como era sempre o menor da turma, tinha de ficar calado, para não sofrer investidas.

Fernando gostava de amarrar os mais fracos no fundo dos quintais de terra e ficar rindo sem parar, vendo suas vítimas se contorcerem para sair. E ria e chicoteava os pobres, um sádico, provavelmente carregando resquícios da ditadura.

Eu sempre quis ser um He-Men vingador, e em determinada fase de minha infância andava sempre empunhando uma barra de ferro enferrujada, como cajado, como espada de salvação. Foi numa dessas que Fernando Gordo se deu mal. Provavelmente carrega até hoje as marcas de minha vingança.

Foi quando ele, porco safado, subiu até a laje do banheiro de minha casa e saiu dizendo para todo mundo que havia visto minha mãe tomando banho. Na verdade não viu, apenas ouviu o som do chuveiro, mas, maldito, saiu soltando impropérios contra aquela à qual seria capaz de matar.

Fiquei zonzo de fúria. Chamei Fernando gordo para o fundo de minha casa, dizendo que ele era um gordo baleia, saco de areia, e ele veio sequinho, pronto para me amarrar e me torturar.

Fiquei escondido atrás do pé de cajamanga, e quando o gordo veio sacolejando seu tecido adiposo, rindo e babando, com um pedaço de cipó nas mãos, e, ao se aproximar, bem ao alcance em que eu premeditara, soquei-lhe bem dado minha barra de ferro, que à época era a espada de He-Man, em seu coco redondo. Lembro-me claramente apenas de um uivo desesperado e uma queda estrondosa no terreiro. Levantou poeira, aniquilando toda uma civilização de formigas que por ali viviam a longa data.

Meu avô Antonio viu tudo, estava no tanque chupando manga, e ficou desnorteado com a cena. David, eu, destronando aquele monstro, que era o Golias, o Fernando Gordo, aquele maldito!

É de bom alvitre nunca abusar, humilhar e ofender os fracos e oprimidos. A história mostra que isso não perdura por muito tempo.

Savok Onaitsirk, 19.11.09.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 26/11/2010
Código do texto: T2637616
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.