A PROMESSA

Finalmente Domingo do Círio,Dona Mariana estava nervosa.Acordou cedo,tomou banho,passou água de colônia,pôs vestido novo que mandou fazer pela costureira sua comadre,sempre foi assim,mas naquele Círio era especial.

O almoço já tinha sido preparado de véspera,matou dois patos da criação do quintal,depenou,temperou,assou e levou para a panela com tucupi,jambú,pimenta de cheiro e alguns segredinhos que só ela conhecia,para deixar o prato mais saboroso,mas não revelava. A avó ensinou à mãe ,e está a Mariana.O aroma era agradabilíssimo, e invadia a casa toda,na verdade até na rua sentia-se o cheiro que dava água na boca.Havia outras iguarias da culinária paraense também,como maniçoba,casquinho de siri, e o delicioso vinho de cupuaçu para refrescar na hora do calorão.Mas o pato ainda era o mais desejado em relação aos demais.

Preparou-se,fez um desjejum reforçado e saiu com o terço bento de madrepérola em uma mão,presente do Arcebispo de Belém,quando de visita em casa dos patrões,se encantou por sua comida, e a perna? Bem,a perna de cera,era pagamento de uma promessa. Ela foi de “fininho”,sem fazer zuada,para não acordar ninguém.

Dona Mariana era a típica cabocla paraense,pele morena e lustrosa,cabelos lisos,sorriso faceiro e corpo roliço.Moça velha,já tinha mais de cinqüenta anos, e nunca se casou,foi criada desde moleca pela dona da casa em que morava até hoje,era uma espécie de governanta,lavar e passar? Tinha gente pra isso.D.mariana cozinhava apenas,era o que mais gostava de fazer,depois é claro de ir à missa e rezar.Quando não estava em meio às panelas preparando petiscos para a família,podia crer que era no modesto quartinho de fundos,com cama,guarda roupa e oratório que se encontrava,na maioria de vezes ajoelhada invocando preces ao céu.

Sempre fora devota de muitos santos,mas Nossa Senhora de Nazaré era especial.

Chegou à Igreja da Sé,lá pelas seis horas,o acúmulo de fiéis próximas à corda era impressionante,D.Mariana queria chegar perto da Berlinda.

-Quero ver minha Santinha de juntinho...,dizia ela.

As seis horas em ponto,trouxeram a imagem da Santa para fora da Cadetral,o estouro dos fogos e as palmas dos devotos,levou Dona Mariana as lágrimas,fez o sinal da cruz.Todos queriam ver a imagem peregrina de perto,levantaram a corda, a procissão deu os primeiros passos rumo à grande caminhada de fé e devoção a Mãe de todos os paraenses.

”...Vóis sois o lírio mimoso,do mais suave perfume....” entoava emocionada a fiel senhora,junto com os milhões de penitentes,rezando contrita com a perna de cêra debaixo do braço,ela seguia o povo de fé.Sabia que sua tarefa era árdua,mas sua convicção lhe dava forças pra enfrentar o calor de quase quarenta graus naquele Outubro ensolarado,pelas ruas sinuosas de Belém.

Há cerca de três meses atrás,D.Mariana apareceu com um pequeno caroço na perna direita,achava que tinha sido ferroada de carapanã.

-Comadre a senhora não sabe o que aconteceu? Disse nervosa

-Que foi Mariana? Perguntou D.Josefá,sua patroa

_hoje de manhã acordei com uma ardência nessa perna,espiei, e vi esse gondó,acho que foi carapanã,esses danados passam a noite inteirinha zuando no ouvido da gente,não tem vela de Andiroba que dê jeito.

-Passa copaíba,mulher!!! Sugeriu a comadre

A senhora seguiu o conselho, e logo o fato caiu no esquecimento,Uma semana depois a dor era demais, e o caso foi parar no PSM,O médico recém formado,examinou, e deu o diagnóstico.

-É Câncer!!!,O tumor não deixa mais o sangue circular. Vai ter que amputar.

Pálida, a mulher não acreditava no que dizia o doutor,Cortar uma parte do corpo que Deus lhe deu, e jogar fora? De jeito nenhum.Se pegou com Nossa Senhora de Nazaré,vez novena,trezena e prometeu acompanhar o Círio com uma perna de cera,se a santinha intercedesse por ela.

Já haviam se passado duas semanas do fatídico parecer médico, e Dona Mariana que agora ostentava dois enormes calos nos joelhos,de tanto ficar horas ajoelhada em seu oratório pedindo misericórdia,não apresentava nenhuma melhora.

Numa bela manhã, a senhora acordou sem o inchaço e a dor que há meses a maltratava.Procurou o caroço,nada.Correu para a cozinha, comunicou o sumiço do gondó para todos,que examinaram e constataram que no lugar do tumor arroxeado,nada mais havia.

Ela voltou com o médico,que abismado atestou que ela estava curada.Mariana custou a acreditar.

Milagre!!! Só podia ser milagre,falavam todos os que sabiam do caso.

-É foi milagre de Nossa Senhora de Nazaré,repetia a devota,que foi direto para o quarto e rezou,agradecendo a mãe de Jesus. E cumpriu a promessa.

Já quase uma da tarde, a Berlinda ornada de gladíolos amarelos e brancos,chegava à frente da Basílica de Nazaré,girândolas,repicar dos sinos,orações,o murmúrio dos fiéis e o calor,criavam uma atmosfera de êxtase divino.D.Mariana aproximou-se do carro dos Milagres,os anjinhos de camisolão branco e asinhas de algodão,suavam.Círios enormes,velas menores,cabeças,braços,úteros,corações,mãos de ceras,davam ao veículo uma visão surreal do Barco de Creonte,figurando ali no meio da multidão agitada,como uma antagônica alegoria macabra,em contraste com a festa divina.

Tímida jogou a perna de cera para dentro do carro,benzeu-se.Agradeceu à Santa ter ficado curada,rezou uma Ave-Maria e voltou para casa.Esperavam por ela pra servir o almoço.

Maíra Monteiro
Enviado por Maíra Monteiro em 29/11/2010
Código do texto: T2644552