Vidas Tortas.

Péricles tinha problemas de convulsão desde criança. A causa os médicos não sabiam diagnosticar. Seu pai morreu atropelado dois anos após fugir da cadeia pública de Poeirópolis. Fugiu no chamado período de “indulto natalino”. Nunca mais voltou. Rodou debaixo da roda de um ônibus quando atravessava a avenida Presidente Vargas em Ribeirão Preto, após se escorregar num panfleto que por ali distribuíam. Teve o crânio esmagado.

Sua mãe morreu de tanto fumar crack. Magra e surrada, não suportou uma pneumonia e sucumbiu como veio, miserável e anônima.

A Péricles restou apenas a irmã mais velha, que era diarista e cedia um quartinho para ele viver até dar um jeito em sua vida. Por um acaso da vida e devido às más influências acabou-se viciando também, como a maioria dos jovens das classes pobres do Brasil, por falta de esperança, expectativa, família, ânimo, sociedade e incentivo.

Para sustentar o vício passou a traficar, mesmo com diversos problemas de saúde, devido à sua má formação psíquica, física e social.

Vendia todas as noites pedra e pó, numa avenida escura da soturna Poeirópolis. Vendia para se suprir. Passava as madrugadas consumindo pedra num casebre abandonado, estirado no piso sujo, tendo delírios e ao mesmo tempo vertendo lágrimas.

Queria mudar, não tinha como, não tinha esperança. Era jovem ainda, negro, doente e analfabeto.

Numa noite, porém, em pleno fervor da traficância, fora surpreendido por policiais que receberam uma denúncia anônima. Pegaram-no em flagrante. Empreendeu fuga, mas não adiantou. De polícia não se corre.

Jogado em cárcere de pouco mais de três metros quadrados, imundo, acompanhado de mais de vinte delinqüentes, viu seu dia se escurecer. Suas vistas se enuviaram. Chorou. Não tinha ninguém. Um advogado do Estado veio-lhe colher alguns dados. Apresentaria sua defesa oportunamente. Que não se preocupasse. Mas, como não se preocupar estando coberto de traumas, chagas e acusações, dentro do inferno?

Passaram-se nove meses e nada. Um ano e nada. Até que veio a sentença: seis anos e seis meses de reclusão, além de multa pecuniária a ser revertida a entidades assistenciais, indicadas pelo Juízo.

E qual o juízo de tudo isto?

Por que não lhe assistiram antes, com o dinheiro de outras condenações?

O advogado tentou que lhe fosse concedida liberdade provisória tendo em vista seus prementes problemas de saúde. Não lhe deram ouvidos. Primeiro, segundo e terceiro grau da justiça nacional negaram por falta de provas contundentes.

Os laudos médicos não mentiam. Numa tarde de um agosto qualquer principiou a sofrer ataques convulsivos e morreu diante de vinte e sete detentos e de dois carcereiros que inclusive lhe repreenderam por “fazer gracejos sem motivos”...

Savok Onaitsirk, 08.01.10.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 07/12/2010
Código do texto: T2658488
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