Um amor bandido

Eram pouco mais de cinco da tarde. O sol já estava se escondendo naquela tarde fria, úmida. O vento castigava os poucos que se aventuravam na rua, e uma das poucas pessoas que estavam sentindo aquele frio, que parecia ser o pior de todos os anos era Suzan. Ela era uma morena que poderia passar despercebida em alguns lugares. Não tinha porte para chamar atenção nem arrancar suspiros. Não era estonteante, sexy, escultural. Tinha uma beleza modesta, olhos amendoados, cabelos com pouco volume, lisos, uma mulher "comum" levando em consideração o padrao de beleza das brasileiras: bunduda, coxuda e agora também peituda. Ela não tinha nada que pudesse fazer o "trânsito parar".

Sentia-se até feia , na maioria das vezes, porque suas amigas, primas, tinham corpão, arrumavam namorado facilmente, e ela sempre teve amor platônico, na maioria das vezes se apaixonava e deixava de amar sem que a pessoa envolvida nem ao menos soubesse, percebesse seus sentimentos. Casou com um homem simpatico, mas nunca foi apaixonada por ele.

Naquele final de tarde, quando voltava do curso, apressou os passos, pois não poderia perder o seu transporte. Queria chegar logo em casa, tomar um banho quente, comer algo e se enrolar no cobertor. Sabia que não seria nessa ordem porque tinha marido e filho lhe esperando, então teria outras coisas a fazer antes de se dar ao prazer de aquecer-se nas cobertas. Não demorou e logo veio o trem. Não estava cheio como de costume, talvez o frio tivesse espantado as pessoas. Procurou um lugar e sentou. O vento que batia em seu rosto fez voar o pensamento e lembrar de alguns anos atras... Estava também no trem, no mesmo horário ...

Quando levantou seus olhos viu que à sua frente estava sentado um homem que a observava. Ficou constrangida de ter trocado olhares com ele. Sentiu o rosto ficar quente, e teve ainda mais vergonha por isso. Percebeu que o homem esboçou um sorriso de leve, mas não poderia olhar diretamente para ele, pois ele não desgrudava os olhos dela.

Quem era ele? De onde estava vindo? Para onde iria? Seria casado? Por que pensava essas coisas? Por que não parava de olhar para ela? Talvez já tivessem sido apresentados um dia e ele estava se lembrando dela, não, com certeza não era isso, como não iria se lembrar dele? Como ele fazia ela se sentir idiota, incapaz, constrangida!

Resolveu levantar os olhos e encarar. Encarou... encarou...encarou...

Que homem é esse... Que sensação é essa que ele provocava em seu corpo? Estava trêmula, mas não era o frio porque sentia um fogo ardendo dentro de si, uma chama fazia seu corpo reagir de uma maneira estranha para ela.

E ele? Não parava de encarar e sorrir com o olhar...

De repente ele se levantou e para seu desespero veio em sua direção, parou à sua frente, levantou o agasalho pesado e então viu algo que a deixou gélida!!! Ele estava armado e agora a pegava pelo braço!!!

Queria gritar, correr, mas ao mesmo tempo o contato de suas mãos fortes em seus braços a deixava mole, sem ação...

Saltaram do trem, ela não conhecia bem o lugar, sabia que era escuro, deserto... Ele a puxou para si e caminharam juntos, agarrados, como namorados, alguns minutos...

As vezes sentia suas mãos a apertando suavemente, sentia que ele a acariciava, que a olhava com carinho quando seus olhares se cruzavam, e o mais esquisito: não sentia medo de estar ali com ele!!!

Parecia que estava anestesiada, hipnotizada por seu olhar, por estar tão próxima assim... De repente pararam.

Ele a olhou nos olhos, ela então sentiu o chão sumir de seus pés. Ele falou calmo, tranquilo, baixinho:

-Passa a carteira, o celular, o relógio, agora!!!

Se fosse outro ladrão ela estaria em pânico, mas a maneira como ele falou fez seu coração disparar. Pegou tudo que ele pediu, sem desgrudar os olhos de seu rosto, de sua pele, percebeu que a barba estava por fazer, o que o deixava ainda mais sexy. Seus olhos percorreram seu pescoço longo e parou em seu peito, dava pra perceber mesmo por cima das vestes pesadas que tinha um porte atlético.

Entregou tudo. Sentiu um tremor quando seus dedos se tocaram. Ele pegou seus pertences e se virou para ir embora, chegou a dar alguns passos, quando de repente uma pergunta veio em sua mente, e a fez:

- Se era só isso que você queria de mim, por que me olhou daquele jeito?

Ele voltou, a encarou novamente e respondeu com um beijo, longo, molhado, e ela percebeu que o sentimento visto em seus olhos não foi sonho, não foi ilusão... Ficaram assim, grudados durante alguns minutos... suas bocas pereciam que tinham sido feita uma pra outra. A lingua dele explorava cada cantinho de sua boca... que homem!!! que beijo!!!

O desejo era forte, não dava pra negar, não dava pra segurar, então se permitiu sentir, se deixou levar.

Não importava onde estavam, afinal estava deserto, já havia escurecido, ela só sabia que estavam ao lado da linha do trem, e o próximo passaria daqui a meia hora...

Ele a segurou firme, e não precisou perguntar se ela queria, tirou suas roupas pesadas e a possuiu...

Não sabia seu nome, endereço, não sabia nada sobre ele... só que ele era um bandido e que ela estava morrendo de desejo por ele. Ele soube dosar carinho e agressividade. Fez com que ela se sentisse única, especial, deu-lhe o prazer merecido, esperado.

Ficaram agarradinhos algum tempo até que o frio não permitiu mais...

Não trocaram telefone, não se apresentaram, não disseram nomes. Ele se levantou, se vestiu, pegou em sua mão, beijou, olhou no fundo de seus olhos mais uma vez, devolveu seus pertences e partiu...

Aquele estranho povoou seus sonhos durante muito tempo. Por ele chorou, sofreu, o procurou pelas redondezas, em capas de jornais, mas nunca teve outro encontro, uma noticia...

Agora estava casada, seu marido tinha estabilidade financeira, uma casa linda, carro , mas sempre lembrava daquele estranho... só não o procurava mais... já se passaram nove anos...

Desceu do trem, e a passos largos ia se encaminhando pra escada quando sentiu uma mão segurando seu ombro. Pensou que se tratava de alguém conhecido e virou o rosto sorrindo. Seu sorriso foi apagado com um beijo sufocante, quente, molhado.

O que estava acontecendo? Meu Deus!!! deveria ser mais um sonho! Não, não era!!! Ele largou seus lábios, segurou seu braço fortemente, chegava machucar, e a puxou com força para caminhar ao seu lado. Atravessaram a plataforma e pegaram o trem sentido contrário. Passaram algumas estações e então desceram, sem ao menos trocar uma palavra.

Mais uma vez não sentia medo, apesar de todos esses anos sem noticias, sem pistas, tinha a impressão que conhecia tudo daquele estanho, que eram intimos...

Chegaram em um barraco numa favela, um lugar com cheiro forte, impregnado no chão úmido de cimento. No canto do cômodo havia um colchão de casal, uma geladeira velha, um fogão e algumas panelas.

-Você mora aqui? (perguntou querendo cortar o silêncio).

-É o que consegui contruir durante todos esses anos, enquanto esperava você.

Quando ele acabou a frase ela já estava em seus braços... Se beijaram, se amaram noite adentro, sem se importar com as horas, com o tempo, com o frio, com o marido, filho... Queria ele por completo, queria saber tudo, resgatar tempo perdido. Finalmente se apresentaram, Pedro era seu nome, e a procurou também por todos esses anos, e agora havia chegado a hora de ficarem juntos.

Era pouco o que ele tinha de material para oferecê-la, precisaria continuar roubando para mantê-la, ela aceitou na mesma hora, não precisava de tempo para pensar, todos esses anos de distância já haviam sido suficientes para confirmar que o amava. Se entregou a ele sem medo, trocou casa, familia, carro, abandonou tudo por esse amor bandido...

Andréa Lauterjung
Enviado por Andréa Lauterjung em 16/10/2006
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