A Jovem e a morte: Devaneios de uma vida

Certa vez encontraram-se em um desfiladeiro uma jovem e a morte...

A jovem olhava para baixo, respirando um ar gélido, enquanto o seu pulsar acelerava diante da adrenalina que se estendia pelo corpo. A tensão era algo nítido em seu olhar aparentemente vago enebriado por lagrimas que escorriam incessantemente pelo seu rosto quase infantil; sua postura era rígida, mesmo diante de tão evidente fragilidade.

Ao seu lado encontrava-se a morte em pleno entardecer, porém sem aquela penumbra propagada em filmes de terror. Sua chegada foi como uma brisa que passou rapidamente, não como aquelas brisas refrescantes do verão e sim daquelas que arrepiam a nuca diante do medo gerado pelas utopias de mentes fracas, entretanto, nada além disso; após o primeiro impacto o que se seguiu foi apenas um silêncio profundo que contrastava com a batida quase estrondante do coração da jovem.

Me vejo na necessidade de descrever a morte, apesar de ser meramente impossível a descrição, já que esta não tem uma forma definida, sendo que sua fisionomia muda conforme a alma da pessoa tenha sido em vida. Neste momento a morte apresentava-se na forma de uma velha, com o olhar sem luz, como se fosse cega, tendo os ombros pesados como se carrega-se o mundo em suas costas, suas mãos apresentavam veias alteradas, assim como seus pés ligeiramente cobertos por folhagens vindas com o vento que aumentava diante dessas duas figuras distintas que mantinham se imoveis uma diante da outra.

A figura da jovem levantou seus olhos para encarar a figura da morte, porém o que seus olhos viram foi a si mesma, como se fossem flashes de toda uma vida medíocre. Esta jovem já havia percorrido longos caminhos, mesmo para alguém realmente jovem, diante de seus 24 anos e alguns meses, muitas histórias já haviam se passado, mesmo que delas tenha sido mera coadjuvante. Sempre quis ser alguém, porém no caminho desta busca esqueceu-se de quem era, desempenhando apenas os papeis que lhe eram apresentados; pode se dizer que foi uma filha normal, uma amiga mediana, uma aluna e profissional padrão, contudo nunca realmente foi ESPECIAL, pode-se dizer também que caso a morte a leve consigo para sua viagem rumo ao destino, ninguém realmente sentirá sua falta, podem se lembrar ocasionalmente de sua presença, contudo, esta alma não teve um papel realmente significante na vida de alguém e isso era o que mais desolava esta pobre jovem que na verdade em seu intimo ainda era uma menina querendo apenas achar braços que lhe aconchega-se diante da confusão que é a vida.

O tempo parecia parar enquanto o sol se ponha anunciando a noite que se aproximava, enquanto as figuras permaneciam estáticas. Meu caro leitor, caso tenha vencido as primeiras linhas entediantes e até mesmo confusas deste conto, deve estar se perguntando: _ Por que simplesmente a morte não leva logo esta alma vazia?

Bem... novamente lhe esclareço, não sei se acredita em Deus ou não, mas certamente não me cabe aqui defender nenhuma corrente religiosa ou propagar o paganismo, contudo acredite ou não dizem que Deus nos deu o livre arbitro e a esta jovem cabia o desfecho desta história, por mais que se fale em destino, ainda esta em nossas mãos as escolhas... os caminhos a se seguir, por mais que forças obscuras nos cerquem e que se fale de carmas herdados o poder de direcionar ainda é nosso, mesmo que muitos ignorem a força de um sim ou de um não, podem mudar toda uma junção de vidas. Voltando a jovem em questão, esta encontrava-se em uma “encruzilhada” , questionando se valia a pena viver uma vida permeada pela hipocrisia humana ou era melhor se jogar penhasco abaixo para uma fuga incerta rumo ao então desconhecido.

Resolveu ajoelhar-se não como uma prece, mas como punição perante aos seus pensamentos conflitantes com seus padrões católicos cristãos, dos quais havia sido criada. A morte manteve-se em pé, porém agora olhava o despertar da lua no horizonte, pois não precisava olhar a jovem para saber o que lhe passava internamente. Mas enfim, por que a morte perde tanto tempo com esse ser minusculo, se a conhece tão bem, que resgate em seu intimo algum desgosto ou raiva reprimida pela mascara adotada no convívio social, fazendo ressurgir tais sentimentos amargurados, para que esta precipite-se jogando desfiladeiro abaixo, entretanto, a morte permanece estática, agora com os olhos fechados, como se aprecia-se o momento, sentindo o cheiro do medo e do desespero tomar conta desse corpo marcado pela vida, enquanto esta calcula cada momento de sua vida, lembrando os sonhos perdidos, os planos abandonados e as escolhas das quais se submeteu, esta jovem tinha futuro, tinha ideias, mas também tinha muitas fraquezas e acabou vítima de seus anseios.

Seu nome não é pertinente, chame-a como quiser e ignore se puder... afinal não será o primeiro (a) a ignorá-la, sua infância remonta a mudança de valores, nasceu no final da década de 80, cresceu na confusão dos 90. Quando criança teve que crescer precocemente, respondendo consequências geradas pela imaturidade da inocência, consequências estas que lhe moldaram a personalidade. Em casa não era vista como a inteligente, admitiam que era esforçada, porém sempre ficou a sombra... a sombra daquele que reluzia... a sombra dos interesses contrários aos seus... aprendeu então a ser submissa... a anular-se em prol dos carrascos.

Pode ser que a considere uma tola, boba ou até mesmo covarde, entretanto, suplico que não a julgue pois você nunca jamais conhecerá a essência desta jovem que possuía uma bondade que não foi verdadeiramente valorizada e aos poucos tornou-se em amargura, obviamente deve questionar: _ Quem é boa é simplesmente boa, pratica a bondade sem esperar nada em troca, só a faz pois é do seu caráter! Não irei bancar a juíza, pois não posso ser imparcial, há muito sentimento envolvido, deixo a ti com seus julgamentos, fiquem a vontade para atirar pedras, fingir não vê-la ou defendê-la, caso ache que ela tem salvação.

Quando deixei livre a interpretação em relação a salvação, não quis dizer que ela tenha cometido um grande crime, na verdade o único crime que ela cometeu foi não ter descoberto realmente quem ela é ou era, isso você só saberá no final deste conto. Caso seja esperto(a) já terá percebido que na minha narrativa muito escrevo e pouco revê-lo, isto é premeditado não para criar suspense, mas sim para preservar uma alma já calejada de olhares depreciativos, fiquem sabendo que da mesma forma que a julga, também me permito julgá-lo (a). Ah antes de continuar, vale ressaltar que este não é um conto de autoajuda ou religioso... é simplesmente um devaneio de uma vida.

Voltando a Luísa... a Cíntia... ou seja lá quem for a jovem, em toda vida comemorou poucas vezes o dia do nascimento, na verdade este foi festejado apenas duas vezes, sendo que só se lembrava de um, contudo, aos poucos começou não se importar com isso, pois festa significava mais trabalho para ela que teve sua infância roubada, tornando-se uma mini adulta com diversas responsabilidades, sendo estas reflexo de erros alheios, dos quais teve que pagar, sendo que tudo era motivo de insultos e castigos, diziam esperar muito dela, mas na verdade aos poucos percebeu que estava realmente sozinha, se quisesse sobreviver, teria que aprender sozinha... fechou-se para o mundo, escondendo suas opiniões em um quarto escuro trancado, devolveu um sorriso medíocre a cada tapa que recebia, direcionando sua dor a uma tentativa de ser diferente do que via ao seu redor e acabou conseguindo, conquistou o seu espaço e até mesmo um certo respeito daqueles que a manipulava, porém um vazio apoderava-se pouco a pouco de sua existência.

Na busca pelo seu espaço teve que abrir mão de muitas coisas, negou-se o direito de confiar nos outros, negou-se o direito de se envolver emocionalmente ou até mesmo fisicamente, isolou-se em seu mundo de faz de conta, recusando-se a errar dia após dia, cobrando-se mais que qualquer outro pudesse se cobrar, condenando-se como responsável até do minimo acidente, se permitindo aventurar-se apenas nos sonhos como uma forma de escape dessa realidade opressora, mantendo se dentro dos muros construídos por ela mesmo como fonte de segurança.

Aos outros apresentava-se com uma vitoriosa, uma verdadeira muralha, mas por dentro estas muralhas desmoronavam pouco a pouco. Estes mesmos outros diziam: _ “Você não tem do que reclamar, por que se estressar sua vida é tão boa?” Como é fácil julgar o que não conhecemos com afinco, como dizem “a grama do outro é sempre a mais verde” Já posso vê-lo (a) dizendo: _”Que jovem mais depressiva, precisa de ajuda psicologa”, pois vos digo estou desempenhando este papel, sou quase um redatora desta história que não quero que seja apagada pelo individualismo vivenciado no nosso dia a dia.

O que mais dizer em defesa ou em condenação desta jovem? Ela nunca verdadeiramente amou, além é claro dos amores platônicos, sendo que estes nem deveriam ser contabilizados...claro que teve interesses em alguns rapazes, porém nunca se permitiu vivenciar este interesse, rapidamente arrumava mil razões para ficar a margem de seus próprios sentimentos. Amigos? Talvez tenha tido, mas ficaram para traz conforme sua vida mudava de fase, portanto não esta errado em afirmar que esta vida foi uma vida sem cor e é nesse ponto que voltamos as duas figuras no alto do desfiladeiro.

A morte já não é mais um idoso e sim uma criança das bochechas rosadas e cabelos vermelhos, ela sorrir, se direciona para mais perto da jovem estendendo lhe a mão, esta ultima levanta o rosto entregando sua mão contente pela primeira manifestação de carinho que lhe é direcionada sem aparente segundas intenções, de mãos dadas ambas pulam rumo ao fim... os cabelos voam lhe fechando os olhos que se fecham novamente como selando a morte, mas ao cair a jovem se vê novamente nascer, pois lhe foi concedida mais uma chance de viver. O que irá acontecer de agora em diante, pouco posso afirmar, crie o seu próprio desfecho se precisar.

Todos os dias a morte através do medo nos dá uma nova chance de viver, cada despertar é como o nascimento para uma nova vida lembre-se você é o responsável pela cor de sua vida, tens o livre arbítrio.

Letícia Alves
Enviado por Letícia Alves em 12/12/2010
Reeditado em 12/12/2010
Código do texto: T2668295
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