Sinônimos

Estou extremamente paranóica neste momento, minha cama esquenta de tal modo que não me incomoda mais apenas o corpo: meu cérebro ferve. Não consigo me concentrar em nada e todo meu esforço consiste em dormir. Em vão.

E essa terra parece ter tantos “pecados”, que o inferno já me é sensível, todos eles, do dia e da noite. Desisto de surrar o lençol e esqueço do travesseiro, este que por vezes me embala no colo de uma ilusão distante, boa e sonho.

Levanto no escuro e caminho por ele, que não me é estranho e o costume evita os tropeços e os barulhos que quebram o silêncio da madrugada. Mas o costume não evita tudo e por isso me pego xingando a mãe de ninguém ao pisar na urina da cadela, que dorme aliviada, talvez inocente, no sofá da sala. E ainda sinto inveja dela, misturada à raiva do momento, que logo passa, porque já lavei o pé (no escuro ainda e quebrando o silêncio da madrugada) e agora minha mente ferve outras coisas que ainda não organizei.

Gostaria de dormir e o travesseiro poderia não ser de ilusão e eu não xingaria a mãe de ninguém se o sonho assumisse o lugar físico do travesseiro. Mas ainda não consigo, bebo um copo d’água que parece me sair de imediato pelos poros e isso me irrita, porque nada mais me sai pelos poros, nada além. Bem poderia sair a sede, o calor, a paranóia e até o cérebro. E com ele levasse ainda essa falta de tudo e de mais um quê, que me assalta, me leva o sono, a paciência e a inspiração. Devia ter evaporado.

E chamam esse troço de saudade ou solidão? Sinônimos? Solidão de dia, na casa. Saudade à noite, na cama. Na verdade, devem ser sinônimos de dia e a noite.

E o cheiro do meu perfume atrai a cadela, que se arrasta ainda sonolenta de um sofá ao outro e como se entendesse minha inquietação, lambe-me a mão com que faço estas confissões e deita novamente, agora ao me lado, apenas inocente. De reflexo, afago-lhe a cabeça e não lhe sinto mais inveja.

A essa hora já acendi a luz, quebrei o silêncio da madrugada, esperneei com meus pensamentos, suei meus infernos e o sono parece nunca mais chegar, como em expiação aos pecados que os sonhos me reservam. E, enfim, rendo-me à penitência prazerosa de deitar e não dormir, mas de já me concentrar, pois não tarda e não estarei mais a confessar minhas agonias noturnas, estarei já no sonho e não lembrarei quem me embalou, sentirei o que a mente ainda não alcança, tocarei o que os lábios ainda não sentem, talvez ainda xingue a mãe de ninguém e sinta o calor deste inferno já dentro de mim, mas o gozo será inevitável.

Acordarei pela manhã com os pecados expiados, os lençóis ainda suados e com a certeza de que os sinônimos não existem.

Lili Almeida
Enviado por Lili Almeida em 18/10/2006
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