NA ESCOLA

APRESENTAÇÃO

Bergson, na obra "O Riso", apresenta, entre as causas do riso, as situações insólitas. Por exemplo: quando todos choram, num funeral, alguém cair na gargalhada. Mas rir nem sempre é possível, mormente se você ler esse conto trágico do Rodolpho.

NA ESCOLA

Naquele tempo eu tinha oito anos.

Era só eu e a minha avó. Ela era velha, 58 anos, gorda, doente do coração, doença de chagas.

A nossa casinha era lá nos confins do mato. De tábua, chão batido, coberta de zinco, um cômodo só.

Quando podia, ela, a minha avó, fazia chouriço e eu vendia na cidade.

Se não, então eu catava frutas e flores no mato e vendia na cidade.

Depois eu ia até a venda e comprava 200 gramas de feijão, 200 gramas de arroz, fubá, farinha de milho, pó de café, açúcar.

Ela fazia feijão, arroz e polenta.

De manhã, café bem ralo com farinha de milho.

No tempo de frio, não tinha frutas no mato e eu não tinha nada para vender.

Então, eu pegava um caldeirão de ferro, ia lá no Colégio das Freiras, e entrava na fila dos pobres para pedir sobras de comida das alunas internas.

As freiras enchiam o caldeirão até a boca, com feijão, arroz, carne, tudo quentinho, e me davam pão.

As meninas alunas mexiam comigo e diziam que eu era um menino muito bonito, e eu ficava vermelho de vergonha, porque eu tinha aprendido que menino não é bonito, menina é que é.

Eu ia na escola na parte da tarde e gostava muito.

A Caixa Escolar tinha me dado de graça, cadernos, lápis, borracha e até uma caixinha de lápis de cor.

A professora gostava muito de mim e eu gostava dela.

Um dia, ela se afastou porque ia ter nenê.

No lugar dela veio uma substituta, mocinha, bonita, mas muito séria.

Um dia ela chamou o meu nome com voz meio brava.

Eu fiquei em pé na hora. Naquele tempo a gente ficava em pé quando a professora entrava, quando ela saia e quando ela chamava o nome da gente.

E então ela disse: - “Faz duas semanas que estou dando aulas nesta classe e nunca vi você de sapatos. Por que você não vem de sapatos como todos os seus colegas e as suas colegas?”

Eu fiquei muito assustado e respondi: -“Eu não tenho sapatos”.

Ela ficou muito vermelha e eu achei que era de raiva de mim, e fiquei mais assustado ainda.

Quando a aula terminou, eu era um dos últimos a sair, mas ela me chamou: -“Espere! Venha até aqui”, disse ela.

Eu fiquei com medo, eu achei que ela ia falar que eu não podia mais vir na escola.

Ela ficou me olhando muito tempo, depois pôs as mãos nos meus ombros, me puxou, me abraçou, e começou a chorar.

Ela chorou, chorou, sem me largar.

Então ela me soltou, olhou para mim e disse: -“Agora você pode ir.”

Eu estava com muito medo e perguntei: -“Eu posso vir na escola amanhã?”

-“Pode sim!”, respondeu ela, “pode sim”.

Quando eu cheguei em casa já era muito tarde e eu fui buscar água na mina para encher os potes.

Na boca da noite eu ficava lá fora vendo o mundo.

O mundo era muito grande.

Naquele tempo!

Rodolpho

MILIPA
Enviado por MILIPA em 18/12/2010
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