Em busca do mundo prometido

Esses dias eu estava lendo a ultima página de seu diário, onde dizia: “...descobri que ser especial é algo simplesmente natural, todos nós por vezes nos sentimos sozinhos. Sonhamos com um mundo mais justo enquanto não percebemos o quanto somos cruéis convencidos de mudar o mundo. As pessoas mais bondosas que conheci foram as mais intolerantes também. Daqui em diante, contarei apenas com pessoas realistas, pois quanto mais eu escuto que não devo me preocupar, tudo ficará bem, tudo pior fica... Pessoas que se consideram espiritualmente elevadas parecem famintas por pessoas desesperadas, precisam se sentir importantes. Temos culpa por alimentar tal coisa, se não lhes dermos nosso desespero, terão de arranjar algo útil para fazer...”

Era uma criança. E entendia que era especial, pois assim, todos lhes diziam. Acreditava ter nascido com uma missão especial, pois assim lhe faziam acreditar. O mundo era mal, mas não era para assim ser. As pessoas eram cruéis, impiedosas. Sentia-se bondosa, generosa, sensível. Sentia-se só, mas convencida.

Aos cinco anos, a mãe fora embora de casa, deixando-a. Como poderia uma mãe ser capaz de tal ato? Isso era imperdoável! Isso era uma traição! Não pedira para nascer, não fizera nada de errado, no entanto, sua mãe a abandonara e ela estava sozinha. Mas sua tia lhe falava: “não se preocupe, vai ficar tudo bem querida!”.

Aos sete anos, não tinha amigos. Dava-se bem com todos, era tranquila, mas brincava sozinha. A pedagoga dizia que não havia nada de errado, ela apenas era rigorosa nas escolhas, seleta. Ela corria de vez em quando para chorar, e a pedagoga lhe falava: “não se preocupe, vai ficar tudo bem querida!”.

Aos dez anos, seu pai a proibiu de cumprimentar seu tio porque este o estava roubando na empresa. Isto era imperdoável, como podia um irmão agir de má fé com o outro por causa de dinheiro, ameaçar a harmonia de sua família por razões tão mesquinhas? Prejudicar o dinheiro do qual seu pai se utilizava para lhe prover uma boa escola? Não suportava a ideia de que não poderia mais confiar em ninguém. Tinha de se virar sozinha. Mas seu pai lhe passava a mão na cabeça e dizia: “não se preocupe, vai ficar tudo bem querida!”.

Aos doze anos, morava com o pai num lugar distante de todas aquelas coisas ruins, longe dos amigos e da família que não podia confiar, enquanto o pai viajava longamente para trabalhar. Acordava, comia, ia para escola sozinha. Desabafava com uma senhora que havia conhecido, e ela sempre dizia: “não se preocupe, vai ficar tudo bem querida!”.

Só teve amigos que seu pai não gostara. Tinha ideias que seu pai não aprovara. A todo tempo, a ira sobre si, pois ela não valia o chão que pisava ou o casaco que usava. Ela descobriu que não era seu tio quem o roubara, nem que era sua mãe quem desistira dela, o mundo estava ao contrário. Sua tia lhe olhara nos olhos e falara: “mas querida, se até quando você tinha dores de barriga, não era de barriga, era de estômago!”.

Hoje, seu pai é considerado um maluco, de qual todos tem medo. Sua tia lhe pergunta: “você está bem querida?”. “Tudo bem!”. A tia insiste várias vezes, como quem precisa saber de alguma coisa, mas como resposta ela diz: “não se preocupe, você mesma prometeu, lembra?!”. Nunca mais teve dor de estômago.

Caroline Natalie Stroparo
Enviado por Caroline Natalie Stroparo em 22/12/2010
Reeditado em 22/12/2010
Código do texto: T2685496
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