O MISTÉRIO DO MONTE KAANAM

Parte - I

CAPÍTULO - I

Por volta das 19h00 do ano de 1988...

Tomava-mos um saboroso vinho, eu e meu velho amigo Anor. Em dado momento ele comentou sobre uma caverna que o pai dele havia encontrado, no meio da mata, no Monte Kaanam*.

Interessei-me pelo assunto e o convidei para irmos até o local para observar de perto a tal caverna; Marcamos um dia e seguimos rumo leste por uma antiga estradinha de terra. Ao chegarmos, procuramos pela caverna abrindo o mato no facão (pois o mato era muito fechado e haviam poucas trilhas abertas, o lugar era pouco freqüentado); Após várias horas de procura, sem hesito, desistimos, o Sol já estava se pondo. Decidimos sair da mata e retornar a estradinha para então retornarmos ao ponto de partida. Porém, por estranho que pareça, não conseguia-mos encontrar a trilha certa, nos perdemos!

O meu irmão Marcelo nos fazia companhia, por mais de duas horas tentamos sair da mata, mas andávamos em círculos, sequer possuíamos uma bússola, perdemos nossa única orientação que era o majestoso Sol que há pouco já havia se posto no horizonte vermelho amarelado. A escuridão começava a tomar posse da mata, tudo parecia igual. Eu carregava uma espingarda de pressão modelo Urco III, o que dificultava meu deslocamento. Em determinado momento abaixei-me para atravessar um emaranhado de cipós e minha coluna saiu do lugar, passei a andar com muita dificuldade, o terreno era ligeiramente irregular e o mato ainda mais fechado naquele ponto, havia ainda o perigo dos profundos poços com as bocas quase encobertas pela vegetação rasteira que se misturava sob as árvores baixas; a dor me incomodava muito.

A mata não era muito grande para se olhar de longe, mas naquela hora ela parecia imensa. Caminhava-mos, e nada! Encontramos mais poços no caminho e restos de pesquisas (talvez minerais - não pudemos ter certeza no momento), apenas um estudo posterior poderia nos dar uma informação precisa.

Após mais de três exaustivas horas, finalmente encontramos a trilha para a estrada. Quando pisei na estrada respirei aliviado, pois, não estávamos preparados para passar a noite na mata. Os rumores de uma certa criatura que habitava a mata nos incomodava, já havia sido vista por pessoas sérias as quais conhecíamos e eram dignas de crédito.

O RETORNO

CAPÍTULO - II

Por volta de 1989 retornamos ao local...

Agora com mais tempo e mais atentos para as ciladas daquele lugar misterioso que ocultava um cenário que se perdia nas sombras do tempo, retornamos…

Logo após alguns minutos de procura, encontramos a "suposta" caverna, que na realidade, era um túnel que havia sido escavado por homens. Permanecemos por algum tempo olhando para o túnel tentando imaginar para que serviu, - em vão. Voltamos outro dia para vasculhar melhor a área e para nossa surpresa encontramos outro túnel na área sul do monte, dessa vez trouxemos lanternas e visitamos o interior dos dois túneis, primeiro o da área leste (não encontramos nada suspeito, a não ser uns veios de um material negro), dirigimo-nos então para o outro túnel, a entrada era estreita (tivemos que entrar engatinhando) possuía aproximadamente 60 cm de altura com uma leve rampa em declive e a poucos metros à dentro passava a mais de 2 mt de altura, também não encontramos nenhum vestígio que despertasse suspeitas, continuamos sem compreender nada. Uma pergunta ecoava em minha mente: - Para que serviram?

Por vários dias continuamos as pesquisas e encontramos no vale uma pequena barragem com um nome gravado no lado esquerdo do paredão (Barragem Santa Maria) e ao centro uma comporta de ferro com um sistema de engrenagens para abri-la. Encontramos também três pedras de granito rosa, enormes, bem redondas que certamente pertenceram a algum sistema de moinho, tudo aquilo nos intrigava. Encontramos várias valas com quilômetros de extensão que a princípio parecia servir para divisa dos terrenos, mas depois concluímos que serviu à outro fim, que desconhecíamos no momento.

Um conhecido do meu pai pesquisou nos registros da Prefeitura e da Câmara Municipal, e nos documentos amarelados pelos anos, constava o registro que havia sido retirado caulim daquela área, bom, parecia que o mistério estava solucionado e não havia nada de notável na descoberta o que trouxe-me uma certa frustração.

Retornamos ao local, vasculhamos as regiões baixas, ou os vales, e não encontramos nenhum vestígio do referido material. Achei aquilo estranho e resolvi continuar pesquisando, pois em minha mente pairavam dúvidas e eu cria haver algo errado naqueles registros, motivos para levantar suspeitas, não faltavam.

Comentei com um amigo, o Anderson, sobre a descoberta. Alguns dias depois quando passei pela casa dele, ele me disse que havia tido uma conversa interessante com um senhor de aproximadamente 90 anos de idade, sobre o material que era retirado daquele local para a feitura de porcelana. O senhor riu sarcasticamente e respondeu com voz rouca: “ - Meu jovem, quando ainda muito criança, estive no local, que ainda estava em atividade. Havia lá grande movimentação de terra, escavações, construíram inclusive uma pequena barragem, utilizavam muita água na operação. Do lado esquerdo da barragem, haviam dezenas de caixas em forma de degraus onde descia a água com terra para ser lavada e retirado alguma espécie de metal que não sei qual é, mas certamente caulim, não era, retiraram outra coisa, e de valor! Havia também um motor (de caminhão) movido a gasolina”.

Aquele comentário me intrigou. Mas então o que foi retirado daquele local?

Quanto mais avançávamos, mais interrogações nos cercavam, e de um local que, se ignorado, parecia sem valor algum!

Numa conversa com um amigo, ele me disse que possuía um aparelho detetor de metais, comentei com ele sobre o local e o convidei para fazer uma pesquisa. Combinamos um dia e próximo do dia marcado, ele me perguntou onde era, inocentemente passei à ele as coordenadas do local. Chegado o dia, desci até a casa dele a fim de irmos, mas ele criou várias barreiras, disse que o tempo não era favorável, enfim cancelamos a pesquisa, porém uns dias depois ele foi ao local sem a minha companhia. Num brejo, aproximadamente uns 500 mt abaixo da barragem, ele encontrou com o detetor de metais, uma focinheira de ferro e um bule, que, segundo ele era de prata, nunca cheguei a ver o tal bule para conferir se realmente era mesmo de prata. Outro amigo que me ajudou nas pesquisas, encontrou um castiçal de prata. É normal encontrar esses objetos em locais antigos.

Após a decepção, passei a tomar mais cuidado à quem eu comentava sobre a descoberta.

1995...

Por um acaso conheci um pesquisador que já havia 10 anos atuava no campo de pesquisas. Ele possuía 3 aparelhos, sendo 2 deles rastreadores de metais e minerais, com muito custo convenci ele a fazer uma visita ao Monte Kaanam. Fomos num sábado a tarde, o dia estava lindo, bem ensolarado. O sr. Reinaldo (o pesquisador) era aposentado e não estava muito bem de saúde e as deformidades do terreno atrapalharam a pesquisa. A essa altura das pesquisas, havíamos descoberto mais um túnel na área leste (com a indispensável ajuda do meu grande amigo Elvio que esteve presente em todas as pesquisas), escavamos a entrada, que estava tapada devido um desabamento), menos de 20 mt abaixo do primeiro túnel que havíamos encontrado. Infelizmente a pesquisa não se desenrolou conforme o planejado, o sr. Reinaldo passou o rastreador em um túnel apenas, não encontramos nada, a não ser a descoberta que as valas foram abertas no sentido norte-sul. Ele nos pediu para retornarmos a estrada devido a grande dificuldade de se locomover no meio do mato, para complicar, era primavera, e nesta época do ano, o mato no local, fica cheio de aranhas que chegam a mais de meio palmo da ponta de uma perna à outra, e a picada é muito dolorida podendo causar febre ou sintomas piores.

O meu caro amigo e companheiro de pesquisas, o meu pai, nos acompanhava e vendo as dificuldades do sr. Reinaldo, resolveu abortar a pesquisa. O sr. Reinaldo sentou-se num monte de terra e disse-me: “ - Devemos analisar com muita calma todas as pistas, talvez estejamos sentados em cima da resposta”. (Pode parecer ironia, mas ele realmente estava sentado em cima da resposta!).

Apesar do evento, continuamos limitados. Alguns meses antes, o Anor encontrou a base onde possivelmente teria sido fixado o motor de caminhão, a qual o senhor havia comentado com o Anderson.

Refleti sobre todas as pistas não chegando a um resultado satisfatório. Sabia que caulim não era o que haviam retirado do local, mas ainda não sabia qual realmente havia sido o material extraído do monte.

O ENCONTRO COM MANUEL

CAPÍTULO - III

1998, minhas esperanças de decifrar o mistério são novamente alimentadas...

Certo dia, o Anderson caminhando pelo centro de Sorocaba, interior de São Paulo, encontrou entre as barraquinhas dos camelôs, o garimpeiro Manuel que era grande amigo do irmão do sogro do Anderson. Quando soube que o Manuel era garimpeiro comentou sobre o monte e o convidou para ir até a minha casa, em Votorantim, cidade vizinha de Sorocaba. Eu estava sentado no sofá assistindo o noticiário e tomando uma xícara de café, quando os dois chegaram. Os recebi, o Manuel foi direto ao assunto que o havia atraído até a minha presença. Ouvi atento os comentários daquele homem sábio (desses que têm muitas lições para nos ensinar; físico judiado, magro, muito calmo, olhos (verdes) fundos nas órbitas, trazia em seu corpo as marcas das várias aventuras feitas pelo Brasil e das 16 vezes que foi infectado com a malária na Amazônia). Possuía grande experiência na área do garimpo e pesquisas sobre túneis feitos pelos Bandeirantes e outros exploradores de séculos passados.

No outro dia fomos até o monte, o garimpeiro Paulo nos acompanhou. O Manuel levou um saco de naylon com alguns objetos dentro. Extraímos amostras dos três túneis e de alguns pontos seguindo as margens do córrego acima, (que cortava o monte de lés a lés, ele afirmou: “ - Não há o mínimo sinal de caulim”. Descemos à um lago que situava-se bem na divisa daquela propriedade, lá o Manuel tirou do saco uma bateia , nunca eu havia visto uma de perto, pôs o material do primeiro túnel dentro, lavou as mãos com um produto especial para tirar a gordura das mãos e começou um movimento circular, após alguns minutos realizando a operação, no fundo ficava um material de cor negra, mais pesado que o ferro, de repente, uma pepita! Ele retirou a pepita e me deu, olhei bem para ela, meu coração bateu mais forte, perguntei: “ - É ouro?” Ele me respondeu: “ - Sim! Porém, ouro de tolo, não é verdadeiro!” Continuou lavando o material e no momento não encontrou nada suspeito, apenas o pó preto, ele disse que poderia ser caceterita, e possivelmente era o que haviam extraído, mas não deveríamos nos precipitar porque ele tinha que fazer um teste químico e ver a qualidade da caceterita.

Ele levou as amostras e uma semana depois trouxe o resultado que as amostras continham:

01

Pó preto (Não identificado)

02

Fe (Ferro)

03

Mn (Manganês)

04

SiO2 (Óxido de Silício)

05

FiO (Óxido de ferro)

06

Ph (Fósforo)

07

S (Silício)

08

Grafite

09

Enxofre

(Estranho é que o material encontrado no monte só se encontra onde houve atividade vulcânica.)

O pó preto o qual o Manuel suspeitou ser caceterita, não era, tratava-se de outro material desconhecido. O grafite que também poderia ser, era de péssima qualidade, estava descartado. O ferro havia em quantidade pequena, também não poderia ser, sobrava o misterioso material negro, que seco convertia-se em um pó preto muito brilhante e que o Manuel desconhecia o que era, apenas com uma análise química (feita por um químico) mais profunda, poderia-nos trazer a lume do que se tratava. O Manuel disse que o resultado era curioso, pois os materias daquele local eram diferentes dos da região, e só eram encontrados onde houve atividade vulcânica.

Segundo consta nos registros, na Prefeitura Municipal, os exploradores retiravam do local um material chamado caulim, transportavam o material para Jundiaí-SP, para que a matéria prima fosse fundida nos alto-fornos existentes naquela cidade e transformado em objetos de porcelana. Mas de acordo com nossas pesquisas, não encontramos o mínimo vestígio do suposto material, que se fosse verdade, deveria haver restos, ou seja, vestígios do que sobrou do caulim que não poderia sumir por completo em hipótese alguma.

Não obtendo um parecer definido sobre as amostras dos materiais, o Manuel levou o pó preto para um químico de Curitiba-PR analisar.

Ao ver o pó, o químico e geólogo disse que já sabia do que se tratava, mas iria fazer o teste para dar uma resposta precisa. Após o teste o Manuel retornou para Sorocaba-SP e veio ao meu encontro em Votorantim-SP para dar-me a tão esperada resposta (10 anos depois da primeira visita ao monte!).

Com muita calma disse-me o que era, então respondi: “ - Mas então é isso?!” Fui dormir tranqüilo sabendo finalmente do que se trava.

Mário Vigna

24 de outubro de 2000

* Kaanam: Nome simbólico dado ao monte pelo autor; origina-se do tupi: Ka’a-nam; Ka’a: Mata - nam: Fechada; densa - Ka’a + nam = Mata Fechada.

Mário Vigna
Enviado por Mário Vigna em 20/10/2006
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