O Interminável Meio Tempo

Passou-se um tempo longo demais, desde que se falaram a última vez. A voz dele ainda ressoava aos seus ouvidos num eco em desespero. Ela sempre soubera o que se passara naquele dia e desde então todas as tentativas feitas no sentido de estabelecer qualquer contato foram inócuas.

Apesar de tudo ela nunca entendera muito bem o motivo da separação. Tudo ficou terrivelmente obscuro e não lhe fora dado qualquer direito de questionar, ou melhor, de sequer saber o que houve.

Sentiu que na voz dele havia uma simulação qualquer, circunstâncias que lhe obrigaram àquela atitude estranha de dar a entender que ela lhe era indiferente. Isso nunca iria esquecer, afinal conhecia aquela voz de todas as formas, sabia exatamente a emoção do momento, do tudo o que se passava com ele. E sabia que de alguma forma foi cruel descortinar este processo.

Temendo causar-lhe maiores problemas ela silenciou mais do que queria, e evitou ao máximo grandes questionamentos, e isso lhe custou um preço que nunca reuniu as condições necessárias para pagar, e sequer pode avaliar as conseqüências.

No fundo entendia o por que dele ter se afastado, por ter criado ela mesma as razões que justificassem uma atitude tão insana e uma mudança de atitude tão abrupta.

Incrédula via o tempo passar, ficara tão rapidamente para trás todo aquele amor que ele dizia sentir, por nenhum momento ela o percebera vil e tinha a absoluta certeza de que o tudo que houve entre eles era algo que nunca ninguém poderia imaginar, a intensidade e todos os superlativos que fossem aqui possíveis agregar.

Decidiu abrir mão, aceitar a sua ausência e o caos interior. No entanto, por mais sensata que tentasse ser, um vazio interminável se instalara.

De todas as formas possíveis que um ser humano pode buscar outro ela o buscou, quis entendê-lo, tentou transforma-lo em amigo. E tudo resultou num grande silêncio como resposta, ou em apelos absolutamente embrutecidos para que ela se afastasse. E por ama-lo ela o fazia, abrigando dentro de si este algo inevitável que se chama fome de quase morte, do não existir, do não ser, do não estar, do abominar a vida. O inexplicável continuou desta forma.Os dias passaram-se sem que se desse conta do que era na verdade o tempo. Muitas emoções misturam-se neste desgaste de horas, dias, meses. A tristeza, a amargura e o desespero se instalaram.

A vida passou a ser um aglomerado de tolerâncias forjadas, onde se fingia o viver. Por um momento quis ser ermitã, o organismo parecia-lhe limitado demais para processar aquelas sensações bizarras. Nas noites e nos dias ela ardia no íntimo um apelo mudo de que ele voltasse atrás.

E a cada vez que alguém tentava se aproximar mantinha-se distante, inacessível, impenetrável, era como se tentasse manter-se ausente, guardando-se para a qualquer momento retornar ao sonho.

Pressentia sua presença, percebeu que se mantinha de algum modo à sua sombra, recebeu mensagens cifradas através de nomes estranhos que lhe chegavam nas mais variadas formas.

E como era complicado ouvir aquelas palavras doídas, mas que ao mesmo tempo não precisavam de seu alento, bastavam-se na dor.

E ficava ali amofinando dia a dia, noites inteiras de vazio e vinho, sem entender, tentando reaprender a vida. E, no entanto todos os passos eram em falso, pois descobriu que já não tinha razões para ir em frente, a não ser o velho compromisso de percorrer qualquer estrada até o fim, já não era isso coragem, mas mera teimosia.

E quando se dava conta de tudo, mais uma vez questionava-se. Como ele que a viu tão nua, tão a flor da pele pode por um momento esquecer e ser tão duro?

No íntimo sabia, a pressão do outro lado era tamanha, e apenas queria que de alguma forma ele admitisse suas impossibilidades. Mas não, macabramente silenciou e sentia-se como se ele a estivesse sepultando em vida, e resolveu ser solidária ao seu apelo mudo e desesperado, sim, pois ele em alguns momentos de extrema exasperação fez-lhe contato através de disfarces. Ela aquiesceu, e resolveu morrer ou fingir-se de morta, por saber que era desta forma estranha a única maneira que havia de estar e sentir-se próxima dele.

Percorreu os dias atônita, por várias vezes a imagem daquele rosto, daquele pseudo-sorriso lhe atravessavam a mente. Simulou algo que pode até parecer indiferença, o tão famigerado jogo feminino, mas nem com isso se preocupou, pois se existe algo que ele poderia ter absoluta certeza é do quanto sempre ela lhe fora autêntica no sentir e admitir a intensidade das emoções.

O tempo passou, para ela tanto fazia ser dia ou noite, tanto fazia estar só ou acompanhada, era palpável que já não fazia parte de nada. Hoje, percebe o quanto alguns insistem em sua companhia, mas sempre se desculpa de alguma forma. O único caminho que percorre é aquele que infelizmente ou felizmente está lhe levando para longe de si mesma.

Hoje ela não sabe mais de seus valores, àqueles que realmente a fazem feliz sabe pouco ou quase nada dele. Ligou-se num piloto automático de extrema atividade.

A única hora que por vezes se faz viva, é quando o devaneio a adota em momentos. São aqueles instantes em que ela mergulha de volta, naquele passeio interminável à luz do luar...Naquele encontro que foi a coisa mais perfeita e inteira que ousou vivenciar... E queda-se assim numa intolerante sina de viver...