Matilde e a Falta D água Terrena.
Matilde estava fedendo. Há muito não se banhava. Desde que cortaram o fornecimento de água por falta de pagamento. A seca estava tremenda. Matilde tremia de nervos.
Seu marido fedia, mas ela não se importava muito. Estava acostumada. Seus filhos ainda não fediam tanto, por ainda estarem na infância, sem as seborréias típicas da puberdade. Sua vida fedia muito.
Todos os dias acordava pensando numa solução, ora com pesadelos da terra abrindo e sugando toda a família, isso quando dormia. Coceiras se acentuavam. O reservatório de água secara por completo há algumas semanas. O pouco restante era para matar a sede e não se deixar morrer dela.
Todas as rezas e cânticos indígenas Matilde perpetrara, mas nada, apenas o sol lá em cima a torrar tudo. Estavam secos e alquebrados. Comiam raízes e matavam os poucos animais antes que secassem demais para serem abatidos, com suas costelas à mostra, quase que covardemente despidos pela sequidão cruel dos dias ensolarados. Era humilhante presenciar aquilo tudo, tinha-se revolta e a impressão de que Deus sequer existia, mas Matilde persignava vorazmente, dia a dia, sol a sol...
E quando todos jaziam nos cantos escuros da casa, cada qual com as bocas abertas, um caminhão pipa com a transcrição na lataria: governo da Paraíba, se aproximou, mas era tarde demais.
Matilde, marido e filhos foram se banhar nas cachoeiras do firmamento, com as crianças quase se engasgando de tanto rir e ficar ao mesmo tempo com a boca aberta, aguardando o cair das águas...
Savok Onaitsirk, 08.02.11.