Boca do Mundo.

Era sexta feira e Armando José levantou da cama, finalmente. Abriu os olhos, escovou dentes, quis socar-se novamente, mas pensou no último espelho quebrado. De nada adiantaria a Armando José aprontar nova baixaria.

Vestiu a mesma roupa que deixara jogada no chão desde semana passada, quando chegou da Boca do Mundo.

A Boca do Mundo é o bairro onde mora Armando José; bairro boêmio e fronteiriço de uma cidade grande qualquer, abarrotado de vida noturna sórdida e vulgar: putas, bêbados, transexuais, traficantes e punguistas transitam livremente depois das vinte e uma horas de qualquer dia, oferecendo seus pecados e transpirando vapores de loucuras mil. Ali a mente humana pode ser estudada com afinco; ali se vê variedade surreal dos mais variados devaneios, traumas, neuroses e delírios mil; ali o mundo é sujo, uma boca suja, doente, a boca do mundo..., à qual Armando José, desiludido, desempregado, abandonado pela mulher e fodido, escolhera para viver. Desde sua discórdia para com o mundo vive assim, há aproximadamente uns cinco ou seis anos, vagando com suas roupas puídas suas “rotas desgastadas”, à procura de algo que nem ele sabia mais, porque sua mente deteriorara de tal maneira, com noites mal dormidas, má alimentação e excessivo consumo de álcool que sequer se dava conta dos dias da semana. A ele valia noite, a madrugada, becos e bares sujos, bafos de putas desdentadas, cigarros baforados a todo momento, um mundo torto, sombrio, úmido e trêmulo.

Depois de todo esse tempo, jogado de bar em bar, Armando José dormiu. Teve a astúcia de tirar a roupa, ao menos. Dormiu um sono profundo, que perdurou até o ano passado.

Depois de um ano daquela semana de sono “dogmático”, corroído por dentro e consumido por fantasmas, Armando José vestiu a mesma roupa de todas as baladas, escovou os dentes, quis se socar, mas, como dito..., pensou um pouco mais, e foi procurar emprego.

Conseguiu inicialmente como vendedor de purificadores de água; em três meses, um concessionária de veículos, vislumbrada com seu sucesso e perspicácia no ramo das vendas, resolveu contratá-lo com salário fixo e comissão.

Armando José havia se transformado num loquaz homem das vendas, angariando clientela até debaixo dágua.

Havia deixado o “casulo” e voava com suas próprias asas...

Savok Onaitsirk, 11.02.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 11/02/2011
Código do texto: T2785748
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