Acóda, mamãe!

A mãe trancou a porta. Estava sozinha com a sua única filha de 2 anos. Era solteira. A gravidez foi resultado de um caso. Nunca quis ir atrás do pai, pois não valia a pena. A casa ficava numa região com poucos moradores. Cidade pequena do litoral paranaense. De vez em quando, surgiam uns andarilhos mal vestidos pedindo comida. Porém, a movimentação de pessoas era fraquíssima.

Após trancar a porta, caminhou alguns passos em direção da cozinha e caiu. Infarto fulminante.

A filhinha de 2 anos caminhou até a mãe. Sacudiu, sacudiu e nada.

- "acóda", mamãe!

E nada.

Ela começa a chorar. O choro fica cada vez mais forte e estridente em alguns momentos. Depois de algumas horas, a menina se cansa. Dorme ali, ao lado do corpo da mãe morta, no chão mesmo.

4 horas depois ela acorda. Nada da mãe levantar.

Vai até o banheiro, levanta a tampa do vaso, senta nele e faz xixi. Não lava as mãos.

Caminha até a cozinha. Está com fome. Come uns biscoitos que estavam em cima da mesa.

Vai até a sala. Liga a televisão. Muda de canal até achar algum programa infantil que gosta. Permanece lá, assistindo, deitada no sofá.

Escurece. Ela começa a ficar com medo. Principalmente porque alguns cachorros uivavam forte perto dali. Vi em todos os cômodos da casa para acender as luzes. O corpo ainda está lá, intocável. Bebe água e come pão. Porém, o medo não passa. O choro volta. Berros e mais berros. Tenta abrir a porta da frente, que a mãe havia trancado antes de falecer. Não consegue. Não entende aquele mecanismo de virar a chave... Além de chorar, agora ela bate na porta com suas mãozinhas, na esperança de que aquilo se abrisse. Depois de alguns minutos, desiste. Deita no sofá novamente e dorme.

Acorda na manhã do outro dia. Faz coisas semelhantes às do dia anterior.

...

Uma semana depois a menina está com fome. Porém, a comida havia acabado. Sem forças, não conseguia nem mesmo chorar. O corpo da mãe cheirava mal, o que a fazia evitar de chegar perto dele.

...

Na outra semana, a menina está deitada no sofá de sempre, agonizando. Não sabia muito o que estava acontecendo, mas queria que aquela sensação amortecedora acabasse logo. A casa estava toda revirada... Ela havia procurado comida em todos os lugares. Tudo cheirava mal, inclusive a criança, pois não havia tomado banho. Claro que a maior parte do mal cheiro vinha do corpo da mãe já em decomposição.

...

Alguns dias depois, a menina ainda conseguiu expelir algumas lágrimas, numa mistura de tristeza e medo. Seu corpo todo doía. Ela não tinha forças. Estava agonizando. Puxava a respiração e o ar não vinha. Estava se sufocando. As lágrimas escorrendo e a dor aumentando. Ao olhar para para o chão, avistou uma pequenina formiga correndo e carregando folhas nas costas. Puxou o último fôlego e faleceu.

...

Do lado de fora da casa, um carteiro batia palmas. Estranhou o silêncio. Insistiu, insistiu. Acabou desistindo.

O sol se pôs. Os cachorros uivaram mais alto naquela noite.