Restos de um Projeto de Banda.

Existe um violão velho e empoeirado, manchado com gotículas de sangue, encontrado na despensa de uma casa abandonado no interior de um país qualquer. Junto a ele foram encontradas mídias antigas contendo algumas filmagens precárias sobre dois caras fazendo um som rústico e indignado; aparentemente estavam embriagados, pois havia um recipiente de vidro onde sempre repunham um líquido que suponhamos fosse a antiga cerveja doutras eras.

A banda dos caras bêbados chama-se Zumbi Soul, algo como um morto-vivo com alma; algo meio contraditório, estranho, mas que não há como questioná-los, pois a esta altura não devem restar-lhes sequer os ossos para contar história; o que podemos contar e avaliar constam desses arquivos encontrados, e olha que tem muita coisa..., e o curioso é que todos os álbuns contém dez músicas

O 1º ÁLBUM chama-se Zumbi Soul, ou seja, o nome da banda, e contém as seguintes músicas:

1. Andam Falando;

2. Barata Alucinada;

3. Desde que o mundo é mundo;

4. Estou longe;

5. Faça Você;

6. Garota louca;

7. Maluco sem graça;

8. Políticos de merda;

9. Quero festa;

10. Zumbi Soul.

Cada música é mais estranha que a outra, com cunhos ora humorísticos, ora sarcásticos, ora sociais-políticos, ora literários, ora filosóficos, tudo numa miscelânea de idéias e fatos, banhadas provavelmente às circunstâncias atuais da época e do álcool.

Em Barata Alucinada um cidadão sai pelo mundo à tarde, querendo tomar “uma cerveja gelada”, quando não encontra ninguém. Encontra sim uma “barata alucinada” que lhe diz que “o mundo acabou”.

Na segunda faixa, “Desde que o mundo é mundo”, há uma crítica à maneira de pensar, “imunda”, dos sectários, ovelhas, seguidores, canalhas e o povão de um modo geral que se deixar levar pelas opiniões das massas, deixando de ser si próprios, pensando como a maioria, sem originalidade alguma, usando apenas o lado esquerdo do cérebro, como que robotizados:

...” Desde que o mundo é mundo somos canalhas, somos o povão...”

“Garota Louca” é uma canção a respeito de um cara que, dirigindo sua lambreta, se depara com uma garota que lhe pede carona, e ele, estranhando o modo brusco como a garota lhe pedira, retruca:

“... Mas garota, você nem me conhece e já quer logo montar na minha lambreta?...”

No qual ela responde:

“Não, o que eu quero é te dar minha buceta!”

Algo realmente absurdo para os padrões dos tempos atuais, mas que naquele período causou um certo furor nos mais conservadores.

“Maluco sem graça”, é uma crítica mordaz aos que se deixaram sucumbir pelos vícios, perdendo o controle de seus corpos e prejudicando sociedade e principalmente seus entes próximos.

“Políticos de Merda” é um xingamento aos parlamentares brasileiros da terceira metade do século XXI, que se banhavam em uísque, cocaína, estimulantes sexuais e putas-ninfetas de 19 anos, enquanto não estavam se banhando em piscinas de sais e “ratos”.

No 2º ÁLBUM destacam-se “Escândalos”, que enumera grande parte de golpes e fraudes de empresas, pessoas e governos, “Nihil”, que é um grito louco da filosofia Niilista, “Somos Heróis”, que faz uma homenagem a todos os mendigos e moradores de ruas, que àquela época abarrotavam ruas e praças de grandes cidades, e “Sorria, você não está sendo filmado”, crítica metafórica aos ególatras de plantão.

O 3º ÁLBUM, o melhor no meu ponto de vista, trás as seguintes músicas:

1. A fome;

2. A gente é agente;

3. A verdade é a mentira;

4. É mais fácil ser feliz e sorrir;

5. Madrugadas Vazias;

6. Não sei;

7. Nosso tempo está acabando;

8. Os opostos se distraem;

9. Todo dia de manhã;

10. Vou buscar.

“A gente é agente fala da censura e repressão, por vezes psicológica, imposta por “agentes” dos setores da sociedade, que oprimem livres-pensadores na produção de suas “artes”, e há um trocadilho quando se diz “a gente e agente, ou seja, a gente é livre e faz e pensa o que bem entender; já o agente nada sabe, a não ser seguir, seguir e seguir as ordens impostas:

“... Agente não sabe tocar violão...

Agente não toca guitarra, nem baixo, nem ilusão...

A gente é a gente!

A gente sabe agir!

A gente sabe cantar!

A gente sabe sorrir...

E correr, correr contra o tempo...”

“Nosso tempo está acabando”, é uma vertente e um verdadeiro símbolo desta banda, algo progressivo e verdadeiro, profundamente verdadeiro, com uma sonoridade diferente das demais, um violão de fundo, compassado como o vento, e uma voz calma ditando o inevitável (frisa-se que o "uivo do lobo" no meio e fim da música é algo transcendental):

“... Nosso tempo está acabando...

Não sabemos expandir o tempo...

Não temos mais dinheiro...

Inventaram o relógio...

Inventaram o termômetro...

Inventaram o barômetro...

Inventaram a invenção...

Tudo para nos tirar o tempo...

Para nos tirar a ilusão...”.

As frases e o violão de forma lenta causa a impressão que estão entrando na pele e fazendo-nos respirar um ar um pouco mais fresco, como uma lufada de vendo no auge do inverno por essas bandas, que refresca e ao mesmo tempo faz refletir.

“Todo dia de manhã”, refere-se à rotina imposta pela vida, o fastio de seu cumprimento, rasgando a cabeça do cidadão e plantando-lhe uma árvore carnívora:

“Todo dia de manhã quando levanto da cama...

Todo dia, quando o trabalho me chama...

Olho no espelho...

Rasgo a cabeça...

Planto nela uma árvore...

Uma árvore carnívora...”.

O 4º ÁLBUM possui quatro faixas que merecem destaque:

“Aquele olhar esbugalhado”, que conta a história de um balconista que, indo ao banco sacar um dinheiro para comprar cerveja, se depara com algumas crianças de “olhar esbugalhado”, querendo trocado pra comprar salgado. Referida canção possui momentos de extrema indignação, a dando a impressão que seu vocalista estivera à beira de um ataque cardíaco ao cantá-la, e o violonista quase arrebentado as cordas. A impressão que se dá é que não haviam dois seres humanos, mas dois motores funcionando a todo vapor.

Em “Amanhã estouro seus tímpanos”, tem-se a aceitação dos dias de hoje, como estão: batuques e pandeiros, com a música sendo ofendida por baixezas e falta de criatividade, contrastando com um possível amanhã onde, munidos de “guitarra e facão”, alguns farão um novo modo de fazer e pensar a música.

“Paulo louco” refere-se à ansiedade e neuroses dos dias pretéritos.

“Se o remédio não chegar” trata do cansaço e tristezas de uma vida onde vivemos “mais cansados que um pedreiro com mais de trinta anos de cumprimento de pena pesada e mais arrebentado que o papa, pelado, arrastando seus pecados numa estrada ensolarada”.

O 5º ÁLBUM contém duas músicas que merecem destaque, “A perna lenta pagando seus pecados” e “Faça um novo fim”.

A perna lenta expõe situação comum naquela época com relação às beatas pagadoras de promessa, arrastando-se nas escadarias das catedrais, “pagando a penitência”.

“Faça um novo fim” baseia-se no trecho psicografado de Francisco Cândido Xavier, que diz que:

“Se não pode fazer um novo começo...

Faça um novo fim!”.

Percebe-se, diante todo o arquivo encontrado por arqueólogos e pesquisadores de antiguidades, que a banda Zumbi Soul existiu e existirá enquanto existirem arquivos e seres vivos no planeta.

Savok Onaitsirk e Mestre Edu, supostos integrantes daqueles dias tórridos, existem no ideário dos odiados e, a despeito de todos os anseios contrários, não se calaram...

Zumbi Soul existe!

Cristiano Covas, 22.02.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 22/02/2011
Reeditado em 07/04/2011
Código do texto: T2807597
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.