OS CARNÍVOROS

Naquela noite, João apareceu com carne para o jantar.

Maria assou a carne, serviu o arroz com feijão e eles comeram em silêncio.

Dali em diante, com certa regularidade, João trazia aquela carne; eles deglutiam sem medo ou prazer.

Uma vez, dentro do pacote, havia dois pés e uma mão – com unha e tudo.

Maria olhou aquilo e perguntou para o marido:

“É bom?”

Mas João já entrara no banho...

Enquanto aprontava o quitute, Maria derramou uma lágrima na frigideira – ou será que foi um pingo de suor?

Pois bem, estavam comendo quando bateram à porta.

Era o primo lá do outro lado da cidade, que estava passando por ali a negócios e resolvera fazer uma visitinha.

Instado a jantar, ele acabou aceitando...

No prato, sobre o macarrão e a salada, Maria colocou dois dedos: o polegar da mão trazida pelo marido e o dedo mínimo do seu próprio pezinho.

O primo comeu tudo, lambeu os beiços e falou:

“Um espetáculo, prima!”

Maria agradeceu sorrindo – sempre tivera uma quedinha por aquele parente do marido...

Daí a dez minutos, o primo se despediu do casal e foi embora.

João acendeu um cigarro e plantou-se diante da TV.

Maria também.

Assistiram a uma reportagem sobre a vida selvagem na África: elefantes, hienas, leões copulando...

Mais tarde, na cama – depois de um sexo minguado –, Maria esboçou um sorrisinho:

“João, sabe do que estou lembrando?”

“Do quê?”

“Do cheiro das flores do meu buquê de casamento...”

“O quê?”, espantou-se o marido.

Maria suspirou sonhadora, e eles dormiram logo em seguida.

João, então, sonhou com os peitos da nova vizinha.

Maria, por sua vez, teve uma noite sem sonhos.

Mas de manhã acordou com uma sede danada – e passou o resto do dia pensando no braço fortão daquele primo lá do outro lado da cidade...

Às seis, como de costume, João chegou do serviço.

Vinha taciturno, pacote debaixo do braço...

Dentro do pacote, apenas frugalidades: leite, linguiça e farinha de fubá.

Hélio Sena
Enviado por Hélio Sena em 01/03/2011
Reeditado em 17/03/2011
Código do texto: T2822681