A Questão

A questão

 

 

- Caramba! Já expliquei mil vezes – reagi, com profundo antagonismo – Devo ter sido engolido por uma brecha no espaço-tempo, e sei eu?! Quando dei por mim já estava lá. Então o sujeito aparece e, obviamente me confundiu com outra pessoa e me convidou para ir até a casa dele, que ficava ali perto e a esposa havia acabado de fazer bolo de fubá com ervas.

 

- E você foi?

 

- Não vi problema nenhum nisso, e o ponto forte não era o bolo, ele havia prometido também polenguinho com salame.

 

- E?

 

- Quando chegamos lá não havia comida nenhuma, a mulher dele era uma descompensada, eles trancaram a porta e disseram que eu só sairia mediante o pagamento de um resgate. Que iriam pedir o dinheiro para não sei quem. Já te disse, me confundiram com alguém importante, essa é a questão.

 

- E?

 

- Pomba!! De novo?! E não tinha comida nenhuma, falaram para eu ficar num quartinho até que o resgate fosse pago, senão eu iria morrer.

 

- Quanto tempo durou isso?

 

- Dois dias e duas noites. De noite eu me desmaterializava e saía para passear. Encontrei umas meninas muito animadas que se auto denominavam, hã deixe ver, isso, piriguetes. O resto era um saco. O cara não parava de tagarelar, ele ficava sentado numa mesa, jogando conchinhas brancas sobre ela, chamavam isso de búzios, creio, e ela só falava em limpeza e ficava com um instrumento extremamente primitivo, chamado aspirador, passando pela casa inteira e praguejando. Como aquilo fazia muito barulho eu saí do quarto e falei: do que é que vocês precisam, afinal? Eles ficaram mais nervosos ainda, brigaram entre si para saber quem deixara a porta destrancada, e ele, que tinha uma expressão esquisita no rosto, enfim falou: precisamos disso aqui. Tratavam-se de umas tiras coloridas, que eles chamavam de dinheiro.

 

- E?

 

- Ora, bastou colocar o olho naquilo para mentalizar e quintuplicar a quantidade de tiras. Os dois quase caíram para trás. Então me ofereceram uma poltrona na sala, me serviram chá (bleargh...horrível) e perguntaram se eu poderia fazer aquilo de novo. Naturalmente, respondi e...

 

- E?

 

- Quando estava me concentrando um raio caiu em cima de mim e me transformou num punhado de cinzas. Um punhadinho assim.

 

- Você sentiu alguma coisa?

 

- Nadica de nada. Mas foi muito bom,

porque num instante voltei pra cá.

 

- Não voltou antes porque não quis.

 

- Eu havia me esquecido as palavras certas – reagi de novo, com mau-humor – mas agora permanece a questão: como é que alguém pode ser importante naquele planeta? Uma coisinha à toa e a pessoa é transformada em cinzas...


(Imagem: Ikrok Ikroj)

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 30/03/2011
Reeditado em 24/01/2022
Código do texto: T2879237
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