INFÂNCIA - Xou da Xuxa: a desilusão

Saí dando estrela, pulei do sofá para a poltrona gritando "viva". Tacava o boneco do He-Man para cima e a girafa de vinil também. Pulei várias vezes igual fazia na brincadeira de foguinho (pular corda acelerado). Tudo isso aconteceu logo depois que minha mãe deu a notícia que, por algum tempo, acreditei que seria a melhor que poderia ter recebido por toda a vida: dentro de poucos dias iríamos para o Rio de Janeiro participar do programa da Xuxa.

Contei para os amigos, mas eles não acreditaram. Diziam que aquela história "era invenção e que não passava de mais uma das minhas gracinhas", que não eram poucas.

Conhecer a Xuxa pessoalmente era o sonho de dez entre dez crianças que viveram sua meninice nos anos oitenta. As meninas queriam ser a Xuxa. E os meninos queriam casar com ela para, no futuro, ganhar os beijos dela, ganhar brinquedo todo dia e ter livre acesso à nave cor-de-rosa.

Partimos para o Rio. Viajamos com alguns dias de antecedência para poder conhecer o Corcovado, ir à praia e andar de bonde. Até que finalmente chegou o dia de participar do programa.

Chegando aos estúdios da Rede Globo, uma surpresa: fila enorme, bem maior do que a fila na escola quando serviam, na hora da merenda, arroz doce ou canjica com amendoim. Aquela fila era maior até do que as de banco em dia de pagamento. Eu odiava filas. Isto já naquela época, aos sete anos. Depois de um longo tempo em pé, fomos levados até um "salão de espera", desta vez para um interminável chá de cadeira. Depois de tanto tempo sentados, a sensação era de que a bunda havia ficado quadrada. Pais, mães e crianças - também ansiosos - aguardavam. Havia dezenas de pessoas no salão.

Minha mãe me pegou de surpresa ao dizer: "olha o Dengue chegando!". Para quem não sabe, "Dengue" era o nome de um personagem do programa da Xuxa. Tratava-se de um aloprado mosquito gigante amarelo-limão. O ator usava um traje com par de braços postiços, provavelmente feitos de espuma. O objetivo era dar ao personagem o mesmo número de patas do inseto. Usava um chapeuzinho roxo "murcho", daqueles de artista plástico. E o "Dengue" brincava com uma guitarra em formato de xis (letra do nome da Xuxa), imitando os músicos durante apresentação deles no programa. Curioso... hoje, adulto, quando penso no personagem, reflito sobre a crítica social que o programa infantil fazia à situação da Dengue. Isso foi em 1987!

Minha mãe apontou para um rapaz magro, de óculos escuros, cabeludo. Só faltou o violão a tiracolo para se assemelhar a um fugitivo de Woodstock. "Quem? Esse aí?", perguntei, indignado. Duvidava que aquele sujeito ridículo pudesse ser a pessoa que dava vida àquele simpático mosquitão de mentirinha. E se eu fosse adolescente naquela época, certamente faria uma de minhas piadinhas sarcásticas: "este cara raquítico aí INTERPRETA o Dengue ou CONTRAIU Dengue?".

"O 'Praga' também está chegando!", minha mãe mostrou-me um anão corcunda. O "Praga" era outro personagem. Este consistia numa "tartaruga peralta", que atazanava a Xuxa. Por isso, o nome "Praga". Eu acreditava que era interpretado por uma criança, devido à estatura. Ou então que fosse um boneco alimentado a bateria, com boa variedade de movimentos e expressões. E o que vi foi um sujeito da minha altura usando calça jeans, camisa, sapato e óculos escuro. Bizarro. Ainda não tinha visto um anão de perto!

Uma funcionária da Globo solicitou que uma parte das pessoas que aguardavam entrassem por um portão grande. Enorme! Lá dentro estava fresquinho. Quando me recordo da cena fico imaginando o tamanho dos aparelhos de ar condicionado para manter agradável a temperatura de um local tão grande como aquele. Assim que entramos, fomos separados. Isso me fez lembrar de filmes que, ainda não entendia por quê, as crianças eram separadas de adultos. Anos mais tarde, no colégio, soube o motivo, aprendendo uma palavra cuja pronúncia era tão forte quanto o significado: holocausto. Lembrei também de uma igreja que havia visto na TV, em que os homens ficavam de um lado e as mulheres de outro.

Antes que a dúvida me deixasse preocupado, observei e deduzi o objetivo da separação: os adultos ficariam no auditório e as crianças no cenário. Fomos colocados bem no centro, onde no chão, existia o desenho de uma boca vermelha, gigante, representando marca de batom. Eu achava engraçado aquilo: estava "pisando no bocão da Xuxa".

Chegou um tiozinho caolho, muito feio, que nada tinha a ver com o glamour na TV, nem os encantos de um programa infantil imaginados por mim. Se tivesse menos que meus sete anos, provavelmente estaria aos berros, com medo, como na época em que o Papai Noel ainda me assustava. Na hora, não sabia quem era aquele sujeito. Anos depois, reconhecendo-o pela TV no programa do Faustão e dos Trapalhões, me dei conta de que o cara era respeitado na Globo. Atendia pelo apelido de "russo".

Dengue. Praga. Russo. Meu deus... nem havia começado ainda a gravação do programa e eu já tinha "desgostado" daquele negócio.

O Russo fez as crianças todas se sentarem e passou para eles instruções de comportamento. Ele pedia: "quando a Xuxa chegar, vocês FIQUEM TODOS CONTENTES, batendo palma, pulando, gritando o nome dela".

Escutei aquela primeira frase da orientação do sujeito com cara de leite azedo e me desinteressei pelo resto.

Preferi observar o cenário e já planejar o que iria fazer, onde iria brincar. Era tudo muito agradável para os meus olhos. Muitas cores. Vi o sol sorridente, o cachorrão de papelão, a nave rosa, o polvo de escorregar, a árvore de mentira com maçãs de plástico... "ei! Peraí! Peraí, Juca!" - a voz do pensamento me gritava. "A nave? Como assim? A NAVE DA XUXA já está aqui? ". Eu fiquei assustado. De verdade! "A Xuxa já chegou?", pensei, procurando-a por todos os lados com os olhos. Procurei na platéia, no meio dos pais e no amontoado de crianças que recebiam as explicações chatas. Procurei no "bolo" de adultos que trabalhavam no estúdio, munidos de câmeras, microfones, pranchetas e fones-de-ouvido tipo concha com antenas. Não achei a Xuxa. "Ela deve estar na nave. Deve estar lá dentro!", imaginei. Em seguida levantei e, disfarçadamente, me afastei do grupo. Fui bem devagarinho mesmo, para ninguém perceber. Se alguém perguntasse, diria que estava indo ao banheiro. Não foi difícil tarefa, a de sumir dali. As crianças estavam hipnotizadas. Ou então, com medo do Russo. Ele, por sua vez, com força na voz e gestos espalhafatosos, brizolescos, devia estar se achando o José Sarney no dia da posse.

Me aproximei do disco. O coração batia forte. Fantasiava a cena seguinte: eu entrando na nave quietinho e flagrando a Xuxa sentada à mesa. Numa daquelas mesas quadradas, vermelhas, metálicas de bar, com logotipo de refrigerante ou cerveja. "Enxergava" ela já pronta, com a roupa que iria usar na gravação do programa, com as botas brancas e chuquinhas - sem perceber que eu estava ali - devorando um X-Bacon e bebendo tubaína para poder ganhar energia e aguentar quatro horas brincando com a molecada. Eu diria baixinho para ela não se assustar: "oi, Xuxa...". Ao me ver por ali, imaginava que ela ficaria surpresa, mas ofereceria: "oi baixinho! Quer x-bacon?".

Já estava próximo uns três metros da nave quando notei que ela ficava elevada, suspensa um metro do chão. No fundo à direita havia umas cadeiras de madeira, daquelas de conjuntos simples de mesa, encontrados com frequência em casas de famílias pobres. A cada detalhe, uma surpresa. Algo sempre me deixava boquiaberto, em silêncio. Verdadeiros enigmas, para aquela pobre cabecinha ingênua. Para que serviam aquelas cadeiras, afinal? "Ô garoto! Volta pra cá!". Levei fumo do Russo. As crianças riram. Enquanto pensava nas cadeiras, o sujeito falante alertou: "crianças, preparem-se! A Xuxa já está chegando!". Enquanto a molecada se alvoroçava toda, eu observava um adulto com colete da Rede Globo e fone-de-ouvido, com microfone na mão. Fui até ele e perguntei:

- Moço! Para que servem aquelas cadeiras ali atrás do disco voador?

- É por lá que a Xuxa sobe na nave, meu filho!

Choque. Paralisado. Caiu no chão a taça de cristal. Dentro da taça, a pluma da minha inocência, já afogada na sopinha de café com leite e bolacha maizena. Não perguntei mais nada. Não sentia mais nada. Não escutava nada além do vidro quebrando repetidas vezes.

Anos mais tarde pensei no assunto e concluí que o cara podia estar mentindo. Talvez pudesse ser um destes aspirantes a Ronald Golias ainda não descoberto.

Mas lá no já distante 1987, aquilo foi para mim um banho de água fria! Não consegui saber se foi uma brincadeira, mas a resposta daquele funcionário da Globo me fez, como um ovo sem a casca, mergulhar numa tigela gigante de batedeira ligada. Um terremoto que só eu naquele lugar sentia. Quando voltei os olhos para o cenário, as crianças pulavam eufóricas, gritando o nome dela.

Eu imaginava a cena da Xuxa trepando nas cadeiras, equilibrando-se, entrando na nave. Depois disso, na minha mente, vinha a terrível risada de vingança do Esqueleto, vilão principal do desenho do He-Man.

Atordoado, voltei para perto das crianças, que pulavam e gritavam sem parar. Eu calado, parecendo uma maria-mole de pé no meio da molecada barulhenta.

Começou um pisca-pisca de luzes amarelas da nave. Em seguida, saiu bastante fumaça cor-de-rosa e branca por canos localizados debaixo dela, que provavelmente imitavam escapamentos. A minha teoria se concretizou: a nave NÃO VOAVA. Sequer saía do lugar. Era erguida cerca de um metro, por cabos de aço. Depois, decia lentamente, piscando e esfumaçando, para dar a impressão, pela TV, de que estava pousando. A portinha do disco se abriu, a Xuxa apareceu e a gritaria da criançada, que já não era pouca, aumentou.

Na tela de um dos monitores do estúdio, a loira descia a escadinha dançando e gesticulando. Apareceu uma criança sorrindo, em seguida Xuxa cantou. Na cena seguinte, as paquitas faziam passos de dança ensaiados. Logo após, uma panorâmica do cenário e as crianças pulando. Depois, um close no meu rosto: uma descomunal cara de bunda. A cara típica de criança que pediu ao Papai Noel bicicleta e, ao abrir o pacote de presente, se deparou com um par de meias bege, do tipo social.

Ao término da música a Xuxa disse "bom dia" e começou os já conhecidos discursos de saúde e bom comportamento para as crianças. Eu fui brincar, para não perder de vez a viagem. No cenário havia vários brinquedos de playground, mas personalizados. Brinquei no balanço, brinquei no escorrega e também na escada. Xuxa anunciou no microfone que, dentro de instantes, seria exibido um desenho. Era um que eu gostava muito. Parei de brincar e fui até lá para descobrir como é que eles faziam com os desenhos animados. Era um mistério para mim. Fui até o centro do cenário para assistir, mas não vi nada. Desenho nenhum. Nem música de abertura, nem voz dos personagens, nem gritos de guerra do He-Man... nada! Assim que a iluminação da filmagem foi desligada, o sorriso da Xuxa deu lugar a uma expressão bem séria, adulta, sistemática, que lembrou a cara da diretora da escola. Um funcionário da equipe se aproximou dela, retocou o pó da maquiagem, entregou um espelho e um batom vermelho para que ela própria pudesse usá-los. Ela disse algo ao funcionário, que não consegui decifrar. Havia no estúdio vários quadradões pretos com tela, parecidos com TVs. Anos mais tarde fui saber do nome: monitor. Procurei neles, vasculhei, mas não encontrei nada que pudesse se assemelhar aos desenhos que eu assistia.

Escutei o assobio da minha mãe. Quando eu estava longe, era pelo assobio que ela me localizava. Infalível em qualquer lugar que pudéssemos estar: festa, supermercado, shopping, feira... até em shows musicais ela me localizava com o assobio. Infalível! Fui até o auditório, onde minha mãe estava. Ela tinha nas mãos a máquina fotográfica.

- Gabriel, "vai lá" tirar uma foto com a Xuxa! Leva a máquina.

- Agora? - disse eu, olhando para a loira.

- É! Agora! Aproveita!

- Mas ela tá descansando! Tá tomando sorvete! - Xuxa saboreava um "Cornetto", produto que havia anunciado há poucos minutos no programa.

- Não tem problema! Vai lá!

- Mas ela vai ficar brava! - eu imaginava a Xuxa brava, de verdade, me dando um "pito" por atrapalhar o descanso. Vi a apresentadora sentada num quadradão que se assemelhava a uma caixa de som. Suponho, nos dias de hoje, que a tal caixa era usado como retorno. Ela conversava com uma senhora morena, de cabelo preto encaracolado, que usava óculos de grau.

- Que brava, que nada! Ela é boazinha! - disse minha mãe, louca para ter uma foto do filho dela com a Xuxa. Fui até lá tremendo muito. Não era medo, na verdade. Era nervoso. Apesar de bagunceiro eu era muito tímido. Além disso, estava me aproximando DA XUXA! O garoto de vida simples, que viajou seiscentos quilômetros, do interior de São Paulo, se aproximava da rainha, da mulher que sonhava conhecer.

- Oi Xuxa... posso tirar uma foto? - interrompi a conversa dela com a senhora que lhe fazia companhia.

- Claro que pode, baixinho! Olha que gracinha, Marlene, a gravatinha dele! - a loira apontou para mim. Pronto! Eu, que já estava envergonhado, fiquei vermelho de vez quando ela fez o comentário sobre a minha roupa. Eu vestia um conjunto social composto por camisa azul clara de manga curta, short azul, sapatos marrons. A tal gravata citada por ela era do tipo borboleta, feita do mesmo tecido do short. Ridículo. Mas minha mãe adorava. Xuxa também adorou. Apontei a máquina fotográfica para elas, já pronto para tirar a foto. "Não!", gritaram as duas, com as mãos na frente. Elas levantaram e caminharam na minha direção. A loira me pegou pela mão e pediu : "dá a máquina para a Marlene, para ela tirar a foto". Obedeci. Anos mais tarde fui saber quem era aquela mulher que - havia notado - estava sempre próxima da apresentadora: Marlene Mattos. Na época, era empresária dela. E já adulto, refleti também sobre a reação delas quando apontei a máquina. Provavelmente elas não queriam ser fotografadas juntas, para a foto não ser vendida para nenhuma revista. Xuxa me levou para perto da caixa de som que estava antes, sentou-se, me pôs no colo e a empresária disparou o flash. "Olha a bochechinha dele, Marlene, que fofinha!", ela apertou suavemente minha bochecha. Apesar de sentir dor, aguentei firme. Não gritei "ai" por vergonha. Além do mais, "quem apertava minha bochecha era A XUXA!", dizia uma voz interior, misto de raciocínio, amigo invisível e consciência.

- Qual é o seu nome? - ela perguntou, com gentileza na voz.

- Gabriel - eu fiquei sério o tempo todo. Era vergonha.

- Nome de anjo! (escutei esta frase centenas de vezes, por toda minha vida) - quer sorvete, Gabriel? - Xuxa me ofereceu o Cornetto, já com algumas mordidas.

- Não, obrigado. Eu tô sarando de uma caxumba.

- Caxumba!? É mesmo? - ela olhou para a Marlene - eu já sabia! Sem perder a simpatia, aos poucos, ela foi se levantando e me tirando do colo dela. Agradeci a foto e saí de cena.

- Consegui - estendi a máquina para que minha mãe pegasse.

- Eu vi, filho! Que bom! - minha mãe comemorou. - olha, depois pede para brincar no programa, tá?

- Por quê, mãe? - fiquei indignado. Eu não gostava nem um pouco daquelas brincadeiras de gincana do programa.

- Pra aparecer na televisão!

- Ah... mas pra quê?

- Ué! Pra guardar de lembrança! Pede depois pra brincar no programa.

- Tá bom... - contrariado, voltei para o cenário.

Minutos depois observei uma das paquitas andando para todo lado e conversando com várias crianças. Ao chegar perto, escutei ela perguntando: "quer brincar?" - para uma menina, que acenou positivamente com a cabeça. Perguntei: "posso brincar também?". Ela olhou pra mim e disse: "pode sim! Vem comigo!" - estendeu a mão para mim. Ela nos levou para um canto do cenário onde outras crianças aguardavam. "Fiquem um pouco aqui que eu venho depois buscar vocês para as brincadeiras, OK?", pediu a moça do chapelão. As crianças obedeceram. Sentamo-nos e ali permanecemos. Notei que estávamos sentados sobre uma estrutura de ferro que parecia ter ligação com a base de uma das câmeras do estúdio.

Um cameraman notou que estávamos sentados ali.

- Ei! Não pode sentar aí! Vão sentar em outro lugar! - esbravejou o homem.

- Mas a paquita mandou a gente esperar aqui! - expliquei.

- A paquita não manda nada aqui não. Quem manda aqui sou eu! Não pode sentar aí! Vão para outro lugar! - a voz grossa, rude, autoritária do homem chocou aquelas crianças de seis, sete anos, que esperavam para participar do programa. Por medo, e não por vontade, obedecemos. A cada brincadeira gravada a paquita vinha buscar um ou dois pares de crianças. Chegando a minha vez, ela nos levou - um garoto e eu - para o meio do cenário.

Notei que duas traves estavam instaladas. Eram diferentes, ovais. Imagine aquelas bases de plástico dos ovos de páscoa, mas verdes, gigantes - maiores do que a gente - e de pé. Um metro e meio de comprimento. Havia também um bolão vermelho. Era grande mesmo, mas de borracha macia. Me lembrei, na hora, de como era a brincadeira: o objetivo era empurrar o bolão para o "gol redondo" do adversário, ou, no caso, adversárias. No programa, os times rivais eram formados sempre pelo sexo oposto. Sempre o time dos meninos contra o das meninas. A apresentadora apitou e as meninas avançaram de supetão, com impacto. Nós, os meninos, pegos de surpresa, desequilibramo-nos, tropeçamos, e, enfraquecidos, perdemos em dois segundos. Pra piorar, eu fui parar LÁ DENTRO DO GOL! As meninas me prensaram e me prenderam. Me ferrei bonito! Na fita VHS que eu tinha do programa, dava para ver minha cara enquanto eu tava preso dentro do gol. Qualquer telespectador que tivesse olhado para a minha boca pode entender perfeitamente o que eu disse, pelo movimento dos meus lábios. "Ô caraio!", eu disse baixinho, por causa do mico. Saí de dentro do gol p. da vida. Xuxa anunciou o nome das vencedoras e premiou-as com brinquedo e revista. Para nós, os perdedores, um prêmio de consolação: revistinha do Chico Bento. Catei a revista da mão dela e fui embora. Nem ofereci no microfone "beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você". Estava furioso. Se falasse algo no microfone, certamente teria xingado a loira, as meninas, as paquitas, o ignorante do cameraman e até o Cristo Redentor.

No fim do programa, o alívio: logo iríamos embora e eu me livraria logo de tudo aquilo. Mas tivemos que ficar! Já não me lembro qual foi o motivo. Acho que foi minha mãe quem quis ficar. Ou talvez quem comparecesse às gravações tivesse direito - ou então obrigação! - de participar de um dos programas e assistir à gravação de outro no auditório. Mais quatro horas de aporrinhação! Acompanhei a gravação do auditório, na poltrona do lado à da minha mãe. Tive até vontade de chorar...

Lá mesmo li a revistinha do Chico Bento. Lembro-me de uma historinha sobre uma galinha que a família do Chico arrumou, que botava ovos de ouro! A família ficou surpresa ao descobrir o fato. Em um dos diálogos, alguém disse para a mãe do garoto caipira: "a televisão está lá fora" (referindo-se à imprensa). E ela respondeu: "uai, mas eu não comprei televisão nenhuma, sô!".

Quando a gravação do programa finalmente acabou, nos dirigimos para o portão de saída. E enfrentamos fila! De novo!

- Ô louco! Essa fila aí é pra sair, mãe? - perguntei, não acreditando no que via.

- Não sei, Gabriel. Acho que eles vão dar alguma coisa.

E deram mesmo. Era uma sacolinha contendo pacote de biscoito recheado, sanduíche de queijo, suco de laranja e uma foto com autógrafo da Xuxa. Era impresso o autógrafo. Provavelmente porque ela não tinha tempo para autografar à mão centenas de fotos.

Horas antes senti várias coisas. Tive várias reações. Vários sentimentos: fiquei acanhado, nervoso, surpreso, entendiado. E havia esquecido da fome. Quando vi as guloseimas, o estômago cantou uma música do Jessé, buzinando e apitando. Chorando. Devorei o lanche, as bolachas e o suco.

Dias depois, de volta à minha cidade, na escola, a meninada perguntava sobre a viagem, sobre o programa e sobre a "rainha dos baixinhos". Eu contava para eles as histórias, sem entusiasmo algum, mas tentando disfarçar. Dizia que foi "a" viagem. Na TV, já não dava a mesma atenção ao "Xou". Comecei a preferir o "Oradukapeta", programa infantil apresentado por Sérgio Mallandro e "Show Maravilha", da Mara; ambos exibidos no SBT. Meu interesse pela Xuxa diminuía a cada dia. Participei mais duas vezes do programa dela, mas fui já prevenido. Brincava pra valer nos brinquedos do cenário e não dava bola nenhuma para o resto. Sequer ligava para o fato da apresentadora estar a uns poucos metros de mim, no palco. Depois da primeira vez no programa, ela já não era para mim um sonho, nem rainha, nem fada, nem princesa, nem nada disso. Era apenas uma moça bonita apresentando um programa e trabalhando com uns caras chatos e crianças barulhentas.