Três mulheres.

Manoela brinca nos jardins do casarão. Franzina, ela corre, pula e dá cambalhotas para desânimo da mãe, Dona Helena, que gostaria que ela fosse como as irmãs, que apreciavam bordar e brincar de bonecas.

-Manoela! Grita a ama que vem correndo, suada e com o rosto muito vermelho do esforço. A menina, nem ouve, distraída com as estripulias que inventa, correndo, pulando e inadvertidamente pisando nas flores cuidadosamente cultivadas pela mãe.

- MANOELA! Grita de novo a ama, com o rosto mais vermelho. Está na hora do almoço, venha logo!

A menina de longas tranças loiras volta-se e corre para abraçar a ama. É o inicio do plano para desarmar Frida. Frida esquece a brabeza e sorri toda boba.

- Anda menina, repete com voz doce.

- Ah, Frida, me deixa brincar só mais um pouquinho, pode ser? Pede com aquele olhar que as crianças fazem para desarmar os adultos.

- Tá bom, só mais um pouquinho, concede a ama, correndo de volta e já pensando em uma mentira para contar para a mãe da menina, mulher forte e rígida, que comanda a casa com rigor. O marido, renomado médico da cidade, passa o dia no consultório e seguidamente ainda tem chamadas à noite.

Para compensar o pouco tempo que tem com a família, Antenor mima suas filhas, principalmente Manoela, sua favorita. Gosta do gênio voluntarioso que a menina herdou de sua família.

- Acorda, dona Manoela, está na hora dos remédios, diz Rose, a cuidadora da noite.

Dormindo no quarto pequeno e abafado, cheirando a mofo, a velha sorri em sonhos coloridos.

- Vamos lá, vovó, toma os remedinhos depois voltas a dormir, repete a jovem pacientemente.

- EU NÃO SOU TUA AVÓ! Grita furiosa a velha.

- Tá bom, diz Rose conciliadora, tome logo, é bem rapidinho.

Com má vontade, Manoela toma os remédios enquanto observa o quarto decadente que lhe restou na velhice. Merda de vida! Melhor dormir de novo, pensa ela olhando com rancor a pobre moça que espera ela devolver o copo com água.

Quando Manoela finalmente adormece, Rose come seu parco jantar, e ajeita-se na poltrona para assistir à sua novela favorita. Antes disto, arruma as cobertas da velha.

- Ei, espere por mim, grita o jovem forte e saudável enquanto corre atrás de Manoela pelos campos de Porto Alegre. A jovem corre o quanto pode, acostumada que fora a correr livre pelos campos, mas Pedro, mais alto e forte, acaba alcançando-a.

Exaustos, deitam-se na grama macia fitando o céu de outono e rindo muito. Ele, jovem militar, está apaixonado por ela, mas percebe que a moça aos dezoito anos, ainda não amadureceu para o amor. Parece um pássaro, pensa enternecido enquanto observa em silêncio o rostinho delicado e travesso.

- Porque me olhas? Pergunta rindo-se.

- Porque pareces um filhote de Bem-Te-Vi, diz ele para implicar. A é, então vamos apostar outra corrida, rebate a moça levantando-se.

- Tá, bem, te dou dois metros de vantagem, replica provocador. A jovem segura o vestido para ganhar velocidade, e sai a correr, cabelos soltos ao vento.

Pedro finge-se cansado para deixá-la ganhar a corrida.

- Ah! Assim não vale, diz ela fazendo beicinho, me deixastes ganhar!

-Não deixei não, ainda não me recuperei, fala fingindo um arfar que não sente.

Manoela olha em dúvida, mas parece acreditar. À sua maneira ama Pedro, mas é um amor fraternal ainda que intenso. Observa o rosto jovem e honesto, de límpidos olhos castanhos e sonhadores. Ele merece uma boa mulher, pensa ela comovida.

O dia amanhecera nublado, com uma chuva fininha. O quarto fica mais escuro ainda, nestes dias tem-se que manter a luz do quarto acesa todo o tempo. Rose já arrumou a mochila com seus pertences e aguarda Maria, a cuidadora do dia. A velha remexe-se na cama deixando cair as cobertas que a jovem arruma carinhosamente, pois que já se apegou a Manoela apesar do gênio difícil.

É uma jovem atraente e ambiciosa, economiza o que pode para cursar a faculdade. Quer fazer enfermagem. Olhando pela janela, perde-se em seus pensamentos...

- NÃO! Grita Manoela na estação de trem, Pedro, por favor, não me deixes.

- Mas querida, já conversamos antes, sou um militar e quero cumprir com o meu dever. Tenho que partir.

- Maldita guerra, é tão longe, não me abandones, chora agarrando-se à farda elegante do jovem.

- Vai dar tudo certo, não te preocupes. Tenho que partir.

Depois de um beijo no rosto de Manoela, Pedro corre para o trem que começa a se movimentar lentamente: adeus... adeus... adeus...

Guerra... guerra... guerra...

Morte... morte... morte... são os sons que ecoam na mente de Manoela.

- Pedro! Grita ainda uma vez, correndo com os braços estendidos. Desta vez ela não vai alcançá-lo. Esta corrida está perdida. Ele não voltará, ela sabe.

Não suportando mais a dor e a frustração da perda, desmaia no chão da estação, em meio a correrias, choros e abraços de última hora.

O amigo de toda a vida partira para a morte, ela sabe. Manoela sempre soube o futuro.

Aconteceu no ano de 1944 quando o primeiro grupo de militares brasileiros parte para ajudar os norte-americanos na libertação da Itália durante a segunda guerra mundial.

Meses depois, Manoela recebera a confirmação, Pedro estava morto. O corpo voltava com medalhas no uniforme, ostentando um rosto amadurecido e rude. Se pudesse beijar ainda, seu beijo teria gosto de sangue.

Rose volta à realidade com o grito de Manoela e corre para a cama. A velha está recostada nos travesseiros, arfante e nervosa.

- Rose, o sonho, Rose, o sonho voltou... apenas nestes momentos fica mais suave, menos dura e inflexível.

- Fica calma, vou buscar o calmante.

Manoela fecha os olhos. Duas lágrimas escorrem pelos cantos dos olhos, humanizando a face envelhecida e marcada pela dor.

Quando Rose volta com o calmante, toca a campainha e a jovem corre para atender.

- Olá, diz Maria em voz alta, animada como sempre.

- Shhhh! Faz Rose com o dedo indicador na boca. Dona Manoela está muito nervosa hoje.

- Ah! Fala sério, Rô, a velha é rabugenta mesmo!

- Eu sei, mas é que ela teve aquele sonho de novo...

-Ih, de novo?

- Pois é, resume Rose pegando sua mochila e saindo para a rua. – Ah! Cuida bem dela hein?

- Podes deixar comigo, grita Maria, fazendo com que Rose saia furiosa com a amiga pela insensibilidade demonstrada.

Quando Maria chega ao leito de Manoela, ela já dorme sob o efeito do calmante. Parece estar mais tranqüila.

- Manoela, venha cá, chama Dona Helena com as mãos ocupadas no bordado meticuloso e delicado.

- Sim mamãe, pode falar, diz a jovem mulher aproximando-se da mãe que já está grisalha, mas continua firme e inflexível.

- Manoela, estás com 26 anos, já estás quase formada e ajudas o teu pai no consultório. Todavia, só queres saber de trabalho e viagens, não pensas em casar?

- Casar? Ri-se Manoela com vontade, isto não é para mim, mamãe, já devias saber.

- Não ouse falar comigo deste jeito! É nisto que deu teu pai te mimar tanto! Vou falar com ele, temos que arrumar um marido para ti.

Manoela fica séria e calada, mas seu coração bate forte e a raiva tirou toda a cor do belo rosto.

Sai correndo e batendo a porta.

O pai já não anda bem de saúde. Ela precisa preparar-se para ocupar o lugar dele e não deixar a família à mercê da sorte.

Infelizmente, por uma triste ironia do destino, neste mesmo dia seu pai teve um infarto fulminante do coração, vindo a falecer logo após o jantar, quando a família estava reunida na sala ouvindo rádio.

Sem seu arrimo e sem destino, Manoela entrou em depressão profunda por meses, sofrendo as reclamações da mãe que não entendia porque a jovem permanecia na cama o dia inteiro, sem fazer nada, olhando pela janela com seu olhar vazio.

Tinham providências a tomar. Tiveram que vender a casa e mudar para outra menor e com menos despesas. A mãe e as irmãs começaram a trabalhar fora, além dos trabalhos manuais que rendiam alguma coisa.

Mas a situação financeira piorava a cada dia, e Manoela permanecia indiferente, imersa em seu mundo de dores e perdas.

Quando finalmente emergiu da depressão, saiu à procura de emprego para ajudar a família.

Arrumou um trabalho na farmácia que ficava perto da pequena casa onde passaram a morar depois da venda do casarão.

Ainda assim, ganhava menos que as irmãs e não sabia segurar uma agulha para ajudar no orçamento. Desprotegida e frágil, não parecia mais a jovem voluntariosa e rebelde de outrora, pois que em casa o ambiente estava pesado.

A presença do pai parecia pairar sobre as mulheres, influenciando decisões e comportamentos. A mãe, inconsolável, encontrava alívio na companhia de Lívia e Sueli. As três uniram-se mais ainda na dor, esquecendo que Manoela sofria também.

Jamais pensara que o pai faria tanta falta. Nunca fora próxima da mãe e agora a situação tornara-se insuportável. Para culminar sua desventura, tivera que abandonar a faculdade e seu sonho de tornar-se médica como o pai foi adiado.

Acorda-se sobressaltada e com o coração aos pulos. Nem no final de sua vida o passado deixa de atormentar seus dias?

- Maria! Grita Manoela que ainda tem a voz forte apesar da saúde debilitada.

Lentamente e de má vontade, Maria entra no quarto. Suarenta, ainda segura a vassoura com que está dando uma limpeza no apartamento.

- Que foi Dona Manoela?

- Quero tomar um banho, me ajude aqui! Agora é assim, depende destas palermas até para tomar seu banho.

Depois de pronta e arrumada, Maria coloca uma poltrona na sacada que dá para a rua e acomoda Manoela. Menos mal, pensa a velha, pelo menos me resta olhar a vida daqui.

O sol doura as imponentes arcadas do viaduto da Borges, já fervilhante àquela hora da manhã. Seu peito parece sufocar de tanta nostalgia. Ah, Porto Alegre, como ama sua cidade. É o único amor que lhe resta na velhice...

Aos 27 anos, Manoela continua trabalhando na farmácia de Henrique. Finge não entender os olhares do homem bem colocado na vida. Aos 35 anos, Henrique contabiliza inúmeros envolvimentos com mulheres e nenhum amor verdadeiro. Não sabe como se apaixonou por aquela moça voluntariosa e tão diferente das outras. Ela tem assuntos e fala em lugares que o homem simples nunca conheceu. Viagens e estudos ele conhecia através das conversas que tinham.

A mãe quase que diariamente fala que ela deveria dar uma oportunidade ao homem e casar, já passara da idade. Suas irmãs já estavam casadas e tinham sua vida.

Quando Henrique cria coragem e pede para dona Helena permissão para namorar Manoela, a jovem decide aceitar. Pensa que será sua oportunidade de continuar a faculdade de medicina. Assim, casam-se poucos meses depois.

Mas que nada, quis o destino que o marido ciumento, não concordasse com a idéia da esposa de continuar os estudos, apesar da teimosia dela. Tinha medo de ser abandonado caso a jovem, com mais oportunidades, atingisse finalmente a estabilidade financeira que queria tanto.

Foi em um dia frio do inverno de Porto Alegre, que Henrique acorda e não vê a esposa dormindo ao lado. Corre pela casa desesperado, e nada.

Nervoso e suado, vê o bilhete na geladeira:

“Meu querido, não me queira mal. Tenho que partir. O destino tem me conduzido de diversas maneiras, mas chegou a hora de escolher meu futuro. E ele não é ao seu lado. Sinto muito. Com carinho e admiração, sua Manoela”.

- Dona Manoela! Grita Maria na porta da sacada, provocando um susto na velha que acorda abruptamente de seus devaneios. - Está na hora do almoço.

- Ach! Será que dá para falar sem gritar? Retruca a velha furiosa.

- Então vamos logo que ainda tenho que lavar a louça, diz Maria com tédio.

Ajuda a velha a levantar e a coloca na mesa mal posta, com a toalha suja de gorduras e molhos derramados. A comida é muito ruim e com pouco sal.

Olhar distante, Manoela come sem prazer nem apetite e distraídamente, volta ao passado...

Dona Rita caminha pelas ruas da cidade de Santa Rosa, levando o menino pela mão. O dia está quente e abafado e a mulher sua muito. Vai consultar com a renomada pediatra, Dona Manoela. Dizem na cidade que ninguém sabe de onde veio, e no inicio foi discriminada pela sociedade por ser mulher e chegar à cidade sozinha, apenas com a mala e o diploma na mão.

Com o tempo e muita competência, acabara por conquistar a simpatia dos moradores, todavia, permanece um enigma para todos. Séria e com uma tristeza constante, parece guardar segredos na alma ainda jovem.

Bonita e atraente, atrai os olhares masculinos, mas ninguém provoca o seu interesse.

Os pacientes aumentam a cada dia, pois que só cobra consulta de quem pode, atendendo de graça a população carente. Para ela sua missão era salvar vidas, não enriquecer. Satisfeita profissionalmente, na vida pessoal restava o vazio que jamais fora preenchido. Suas irmãs a ignoravam depois que abandonou a mãe para fugir.

Escolhera aquela cidade distante porque ali ninguém saberia do seu paradeiro, pelo menos por um certo tempo. Precisava pensar, precisava deixar sua família por uns tempos.

A mãe falecera dois anos após sua fuga, segundo suas irmãs de desgosto, para Manoela, todavia, a mãe jamais superou a perda de seu pai.

Aos 37 anos, já questiona sua existência. Perseguira um ideal e esquecera o amor, a completude necessária. A cada dia sua necessidade de formar família crescia.

Foi neste estado de espírito que conheceu Joaquim, homem maduro e bem posicionado na vida, mas que era olhado com desconfiança pelos moradores da cidade. Assim como Manoela, ninguém sabia de seu passado, mas ao contrário da moça, Joaquim provocava receio e medo. Era um homem cínico e experiente que dava a impressão de conhecer bem as mulheres. As moças casadoiras da cidade suspiravam por ele, ficando à janela para vê-lo passar, sempre bem arrumado e ostentando porte altivo. Todavia os pais temiam que o homem se aproximasse de suas filhas.

É com estes pensamentos que Dona Rita, em sua sabedoria simples, fruto de uma vida dura, fica a imaginar que coisa boa não pode sair desta união, pois que Manoela está sendo iludida, pobre moça!

Ao chegar ao consultório, enfrenta a fila de sempre. Espera resignada, o menino só consulta com ela.

Após a ligeira refeição, Maria ajuda a velha a deitar na cama para a sesta do dia. Pelo menos enquanto dorme não incomoda, pensa a jovem enquanto ajeita os travesseiros e as cobertas.

Corre para sentar em frente à televisão, esquecendo por completo a velha que já dorme, força do hábito de muitos anos.

Em sonhos, Manoela volta ao passado. Triste vida que precisa ser revista diariamente, feito trabalho de contabilista meticuloso.

Após unir-se maritalmente com Joaquim, Manoela parece feliz. Eis que o amor chegara a sua vida, e o consultório estava sempre cheio de pacientes que ela atendia com desvelo e atenção.

Faltava o filho, que Joaquim não queria por ciúmes. Apaixonado e envolvente, Joaquim tinha um amor obsessivo pela esposa. Por ela nunca mais se envolvera com outras mulheres.

Manoela não quer forçar, pois que filho é coisa séria, e tem que ser muito desejado.

Assim o tempo vai passando e ela remoendo mágoas do marido egoísta.

Seguidamente tem notícias de Henrique pela irmã mais velha, a Sueli. Depois que passara a mágoa inicial, mandara uma carta para a irmã, informando seu endereço e dando notícias de sua vida. Assim, o tempo, remédio para todos os males, aproximara as irmãs. Com o tempo, Sueli entende que não adianta mais guardar mágoas e passam a manter correspondência. Mas não convida Manoela para voltar a Porto Alegre, atitude que magoa profundamente a irmã. E também não manifesta vontade de viajar até Santa Rosa para visitá-la.

Ela que me aguarde, mas ainda voltarei para Porto Alegre, e quando isto acontecer, será para o resto da minha vida, Manoela pensa sempre com convicção.

O tempo passa, e Joaquim como era de se esperar, volta a envolver-se com mulheres. Manoela fica sabendo através de cartas anônimas, abjeta forma de inveja e maldade. Ainda assim, acredita nas cartas, pois que o marido anda ausentando-se demais, sempre com desculpas esfarrapadas. E depois de um certo tempo de casamento começara a desconfiar. Inteligente, Manoela sabe que ninguém muda completamente de forma tão repentina.

Médica, e sabendo dos riscos que corria anuncia que não teriam mais relações sexuais, o que deixa o homem desesperado.

Manoela ainda o ama, mas o casamento está agonizante.

- Dona Manoela, acorda, hoje temos que ir ao banco.

- Está bem, já que tenho mesmo que ir venha me ajudar.

Maria arruma como pode a velha que fica reclamando todo o tempo, ora do frio, do vento, da chuva, das roupas velhas e mal cuidadas.

Com cuidado a moça acomoda Manoela na cadeira de rodas para a saída.

Vai ao banco para retirar a aposentadoria e passar parte para a poupança. Conseguira amealhar uma pequena reserva com que se mantém. O apartamento fora adquirido quando ainda morava em Santa Rosa.

Fim de tarde em Santa Rosa. O sol brilha intenso e temeroso de abandonar o belo cenário que sua presença produz nas casas e jardins floridos.

Sentada na cadeira de balanço na varanda da ampla casa, Manoela descansa os óculos para perto um pouco e deixa o livro repousar no colo.

Sorri. Aos sessenta anos, desquitada, pois que Henrique finalmente aceitara seus pedidos, viúva do segundo marido, contabiliza apenas as cartas esporádicas de Sueli, pois que Lívia falecera recentemente. Herdara do pai os problemas cardíacos.

Sueli por sua vez, estava viúva e vivia com a filha mais velha.

Era a vida que não dava trégua, levando uns, trazendo outros. Como os muitos bebês que ajudara a nascer e que não tivera.

Simpática, cumprimenta os vizinhos que passam na calçada em frente a casa.

Como todo o dia, sorve o mate com prazer. Médica atarefada, não sobra tempo para fazer amizades.

É tempo de voltar, pensa ela. Já cumpri minha missão. Vou voltar para minha terra.

Voltando do banco, Manoela pensa que findara mais um círculo, dos muitos que tivera na vida.

Alojara-se naquele apartamento aos sessenta anos. Aposentada, passou a dedicar-se ao voluntariado na sua área e a atualizar-se através de cursos e muita leitura, pois que não era mulher de ficar em casa.

Levara esta vida até que a saúde não mais permitisse o trabalho que fazia com tanta dedicação.

A conselho médico contratou Rose e Maria, suas companheiras. Sabia que era chata e intransigente, mas no fundo gostava das moças. Eram honestas e boas, e Manoela que nunca fora dada a religião, ultimamente dera para pedir a Deus um destino diferente do seu para elas.

Agora eram apenas as três. Três mulheres, três histórias de vida.

Frida, mamãe, papai, Sueli, Lívia, Pedro, Henrique e Joaquim partiram.

Seus amores ajudaram a forjar sua personalidade, cada um à sua maneira.

Pedro deixara no ar uma interrogação, Henrique uma promessa e Joaquim uma desilusão.

No final, conclui finalmente em paz, todas as decisões foram dela. Teimosa, lutara contra tudo e contra todos, e a vida, a vida sadicamente levara todos antes dela, obrigando-a a olhar-se no espelho todos os dias, sem uma companhia para lhe dizer se estava feia ou bonita.

Era a vida, boa ou má, era o que lhe restara. Aguardar o final. O último ato.

Não sem antes dar uma olhada no pôr-do-sol no Gasômetro, deixar-se inundar pelo mais lindo espetáculo que seu olhar já acariciou.

Amanhã, pensa ela. Amanhã é um bom dia. Sempre soube do futuro, não seria agora que iria se enganar. Chegara sua hora de partir.

Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 27/04/2011
Código do texto: T2933746
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