PORTA ABERTA

Dia de trabalho terminado. André chegava tarde, pela quinta vez na semana em casa. Estranhou a porta aberta. Camila sempre a deixava trancada. Há alguns dias sonhou ela que um vulto negro entrava em sua casa matava o marido e a levava com ela. André quis chamá-la, mas pensou ser alguma surpresa.

Já na sala viu sobre o sofá um papel amassado – seria uma pista deixada por Camila? Pensou. Identificou no tal papel a letra da esposa que se liam três frases:

Estou indo.

Não vou só.

Adeus.

Havia ainda um P. S.: “Não fiz o jantar”.

André não sabia se aquela era pior dor que já sentiu. Faltaram as pernas e ele desabou no sofá, pegou novamente o bilhete maldito, releu, amassou-o com uma ira macabra.

Ao seu lado, o criado mudo sustentava um porta-retrato do casal. Olhou a felicidade que ele transmitia, relembrava a terceira das sete luas-de-mel que fizeram. Segundo Camila a melhor de todas. Quis esboçar um sorriso de canto, mas o sorriso deu lugar a um grunhido e André atirou o objeto na parede.

A “vaca”, como ele pensou parou de fazer o jantar na metade. No balcão uma cebola sustentava uma faca de legumes. O olhar de André brilhou mais que o reflexo no utensílio. Ele saiu tonto em direção ao balcão. Pegou a faca, passou com força a lâmina, cortando o punho profundamente.

Ao ver o sangue borbulhar das feridas se arrependeu. Quis num gesto impensado bebê-lo, mas sabia que era inútil. Resolveu então contar o tempo até sua morte. Olhou os ponteiros do relógio e começou 1, 2, 3, 4…