Meu Avô, Pepinos e Cervejas.

Meu avô, num fim de ano, depois de tomar muitas cervejas e comer pepinos, repentinamente, caiu e morreu na madrugada. Não ouvia Dylan, ouvia o som da noite...

Ninguém soube ao certo se foram as cervejas, os pepinos ou a queda que lhe ceifara a vida, e de lá pra cá se passaram muitos, muitos anos.

Minha avó, sua mulher, que morrera antes, sempre dizia que álcool com pepinos era combinação fatal, mas ninguém lhe dava ouvidos, e todos continuavam bebendo cervejas e comendo pepinos.

Era dia vinte e seis de dezembro de um ano qualquer. Meu avô havia bebido sozinho no dia vinte e cinco. Sozinho é força da expressão, eis que estava acompanhado por um desses seus amigos ébrios, mas isso não vem ao caso. Esse amigo suicidou-se alguns anos depois, entrando na frente de um caminhão em rodovia pública...

Todos festejavam com suas respectivas famílias, e se esqueceram do velho, que já era bem velho, viúvo e ranzinza. Mas era um ente familiar, o ancião de todo um galho genealógico, que no fim de sua vida se viu só, acompanhado de pepinos, cervejas e amarguras, filhos que se foram, desilusões amorosas, grana curta, etecétera, etecétera...

Em seus últimos tempos arranjou uma vadia que lhe usurpava boa fração de sua aposentadoria. Queria comê-la a qualquer custa, por mais jovem que era (mal de velhos tarados), mas como estava bem velho, provavelmente seu ato sexual não fosse lá mais grande coisa, mas isso também não vem ao caso.

Meu avô nunca ouviu Crosby, stills, Nash & Young, gostava mesmo era de Rolando Boldrin, Liu & Léu e Zico & Zeca, além de cervejas, vinho Chateau Duvalier, mulheres e pepinos, mas quem se importa com isso?! E quem não gosta disso?

Quem um dia nunca quis sumir no mundo, do mundo, do mapa?

Meu avô, depois que fez a cirurgia da catarata, viu a vida de outra forma, apesar da barriga, da calvície e do preconceito (pré-conceito) de ter um sobrenome Covas? Ainda por cima, trabalhava em funerária. Passou boa parte da vida sendo questionado se o “Covas” era devido à sua profissão. Mas, pelo que seu, nunca se importou com isso. Não sobre sua vida inteira, como foi na infância e juventude, nem quem eram seus pais. Somos rústicos, e neste interior ensolarado, os tempos passam e, com as poeiras, levam tudo... O que fica é pouca coisa na memória, transmitidos em ditos populares muitas vezes distorcidos.

Meu Avô provavelmente nunca ouviu Starway to Heaven, Led Zeppelin, gostava mesmo era de Tonico & Tinoco, Moacyr Franco, Orlando Silva, Pena Branca & Xavantinho, sendo que várias fitas e discos encontrei em seus arquivos, no pós-mortem...

Coisa mais melancólica é remexer os arquivos, roupas, documentos e a vida de um ente querido, ou mesmo um desconhecido.

Eu, como advogado, tive o desprazer de fazer o inventário de meu querido Avô, de minha amada Avozinha, do Avô de minha mulher, minha sogra, meu tio..., conhecidos... É triste! Puta merda, como é triste! Tristeza redobrada!

Por sorte não fiz o de meu pai, mãe ou irmãos, vivos que estão, e agradeço a Santa Mãe Natura por isso, e que vivam muito, muito, muito, mais do que eu, gostaria, para que não os visse sucumbir, mas estaria eu sendo egoísta, por pensar talvez que meus pais poderiam perder-me antes..., e não há nada mais triste do que a dor de um pai que perde o filho!

Sei que meu Avô se foi sem que desse tempo de nos despedirmos... Foi assim, numa queda, talvez em pepinos, cervejas, amores, dores ou dissabores da vida, na solidão de uma madrugada qualquer...

Talvez nunca ouvira Peter, Paul & Mary, mas certamente ouvira os pássaros cantarem quando em muitos amanheceres de sua existência..., e, quem sabe, teve a humildade socrática de nunca saber, ou deixar que o saibam...

Na vida sempre se está esperando algo! Por quê?

Meu Avô morreu só!

A morte vem como uma ligação interrompida pela metade..., quando se diz: “Alô!, alô!, alô!...

Savok Onaitsirk, 05.05.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 06/05/2011
Código do texto: T2952611
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