[uma noite comum]

uma noite comum, estúpida. sentado no banco da faculdade, como todo dia, olhando as meninas que passam, comentando com um amigo do lado. fumando um cigarro, no canto dos fumantes - pessoas geralmente vistas como agressivas ou problemáticas - e rindo de besteiras. um pouco ansioso por voltar a trabalhar amanhã. dei mais um tempo, falando bobagem, comentando daquela e daquela outra que passou, acendi outro cigarro. e ela se materializou na minha frente sem mais nem menos:

- você tem um cigarro?

claro que eu tinha. era o último, mas eu tinha com certeza - eu não daria meu último cigarro pra nenhuma outra pessoa desse planeta - e acendi pra ela, sorrindo.

- qual seu nome? ela me respondeu, mas trinta segundos depois já tinha esquecido, minha mente estava por demais ocupada pra guardar qualquer outra informação. aquele rostinho, aquele cabelo ruivo, curto, aqueles óculos, aqueles lábios, o corpinho suave, tudo contra o fundo preto que já se formara após o cair do sol. e o sotaquezinho sexy de sampa, ela veio de Campinas pra Brasília no mesmo ano que eu saí de BH. e ela não tinha viajado esse feriado sabe, mas costumava sair lá por águas claras, gosta de rock (logo tinha reparado) aparentava ser mais velha e mais séria, mas somente aparentava, essas mulheres que aparentam, pelos curtos fragmentos de história da sua vida já percebi, é do mesmo tipo que sempre me atrai ou que se atrai por mim - talvez um pouco agressiva, da área dos fumantes - meu amigo entrava na conversa só pra ser repreendido com meus olhares assassinos-psicopatas-furiosos-eu-vou-te-matar-sai-é-minha - e continuávamos nossa conversa rápida e automática de perguntas que se fazem em flertes e que não querem realmente alguma resposta. não se espera resposta pra esse tipo de conversa, é só uma maneira de estudar o material que está sendo apresentado com outro sentido além da visão, momento especialmente importante para as mulheres: com uma mulher a primeira vez é sempre a última chance.

ela falou qualquer coisa sobre ir pra sala, eu me levantei subitamente, foi automático, depois disfarcei dizendo ao meu amigo que tínhamos também que responder pelo menos a chamada. ela riu, tchau, tchau. a cabeça andava a mais de mil, pensando será que eu falei rápido demais, por essa eu não esperava, precisava de outro cigarro, mas dei o último pra ela.

sinceramente, eu estava realmente pensando em parar de fumar, mas amanhã preciso voltar lá pra ver o que acontece.