Orgulho e Preconceito e Lobisomens

(Pessoal! Saliento que esse pequeno conto foi feito com termos utilizados no RPG Lobisomem: O Apocalipse. Quem não compreender algum termo e quiser esclarecimento, por favor, queira perguntar nos comentários, sim? =P)

Chovia como o inferno fora da caverna. Ele, um Fianna de porte físico avantajado, estava encostado na entrada daquele buraco na terra, no limite que lhe permitia sentir algumas pequenas gotas de chuva tocarem seus pés descalços. Ela, uma Fúria Negra de pele morena e corpo belo, mas resistente, estava no fundo da caverna, deitada perto de uma fogueira. A Fúria mantinha uma das mãos sobre um ferimento recente que custava a se fechar e respirava pesadamente, aguentando as dores que, a cada movimento, insistiam em pulsar como sirenes em seu corpo.

- Tem certeza de que não quer nenhuma ajuda, aí? – Perguntou o Fianna, olhando para dentro da caverna.

- Vá embora, “Último-Que-Ri”! Falta muito para chegarmos ao caern dos Uivos Silenciosos e se você ficar aqui vai atrasar toda a missão. Vá, que eu te alcanço assim que esse ferimento se fechar! – Respondeu ela, com a voz pausada, mas carregando uma leve amargura em cada palavra. – Não preciso que fique aí, de guarda. Vá de uma vez.

- Me alcança assim que o ferimento fechar, a febre baixar e os Dançarinos da Espiral Negra que estão atrás de nós te transformarem em geléia, né? Não, não, Sophie. Não vou arriscar molhar meus pelos nessa chuva só para te deixar sozinha com teus pensamentos. – Ele sorriu, olhando de canto para a luz dentro da caverna.

- Já falei que não gosto que me chame pelo primeiro nome. Meu nome é Sophie “Força-da-Mãe”, e para você é só “Força-da-Mãe”!

- Ok, Sophie. Como quiser... – E riu novamente. – O que vai fazer? Levantar e me bater?

Um grunhido veio do fundo da caverna, o que fez com que Thomas “Último-Que-Ri” soltasse uma gargalhada. E foi quando fechou os olhos para rir com mais gosto que sentiu a garra apertar-lhe o pescoço e prensá-lo na parede. Ao abrir os olhos, um outro par, feroz e mortífero, com glóbulos oculares do tamanho de bolas de bilhar, o fitava. A boca entreaberta, a menos de um palmo de seu rosto, fedia a algo que deveria estar morto a séculos. Thomas viu que, além daquele Garou que o segurava, mais três estavam entrando na caverna.

- O que foi isso, “Último-Que-Ri”?! – Gritou Sophie do fundo. Um grito que se tornou levemente agudo, ao final, por conta da dor que sentia.

No momento em que Sophie gritou, o Dançarino que mantinha Thomas preso à parede virou para o lado, fitando o fogo. Não havia momento melhor, pensou o Fianna. Com movimentos rápidos ele se desvinculou da garra que o mantinha preso, puxando sua Klaive da bainha, atada à calça, e cortando fora a mão do corrompido próximo dele. Antes que os pés de “Último-Que-Ri” pudessem tocar o chão, eles já haviam se transformado em enormes patas.

- O que está acontecendo?! – “Força-da-Mãe” gritou novamente, tentando esticar o pescoço para ver a entrada. Um trovão rasgou o céu, gravando cinco sombras no fundo da gruta.

Antes que o Dançarino com a mão decepada pudesse reagir, Thomas já se impulsionara para frente, enfiando a Klaive na mandíbula dele e rasgando sua cabeça pela metade. Sobravam três.

Os corrompidos rugiam e uivavam, cercando “Último-Que-Ri”. Ele recuava para uma das paredes da caverna, evitando que os Dançarinos da Espiral Negra pudessem chegar até Sophie. Ela, por sua vez, tentava se levantar, mas o ferimento impedia que ela mantivesse a força nos músculos para fazê-lo.

- Fianna maldito! Fuja! Fuja e deixe que eu dou conta deles! – Gritava ela, entre pausas de dor.

E, como resposta, recebia rugidos inconstantes de Thomas, que parecia rir de toda a sua gritaria.

Um dos corrompidos avançou, conseguindo escapar de um golpe de Klaive e rasgar o peito forte do lobisomem. Thomas rugiu, rindo em seguida, misturando sons de dor com de alegria pela intensa batalha. Com um dos braços agarrou o Dançarino que o atacou, aplicando-lhe um mata-leão, e com a outra mão cravou a Klaive em sua nuca, abrindo um talho que deixou o lobisomem corrompido com a cabeça pendendo por um pedaço de carne e pele.

- “ÚLTIMO-QUE-RI”! SE NÃO FUGIR AGORA EU MESMA VOU MATÁ-LO! – Insistia “Força-Da-Mãe”, com tanta fúria na voz que já não demonstrava estar sob o efeito de dor tão excruciante.

E Thomas, mesmo que sangrando intensamente do golpe que havia levado, ria com gosto, como o fazia antes de ser interrompido pelos inimigos. Dois sobravam, e eles agora tomavam posições contrárias enquanto o cercavam. “Último-Que-Ri” ficou de olho no Dançarino que andava de costas para o fundo da caverna, atento aos seus movimentos. Mas foi quando desviou o olhar para encarar o outro corrompido que o primeiro se virou, correndo na direção de Sophie.

“Último-Que-Ri” fez um movimento desesperado, franzindo o cenho, ou o que um lobisomem possa chamar de cenho, e se impulsionando para correr atrás do covarde. O segundo Dançarino, então, aproveitou-se de sua distração para saltar em suas costas e derrubá-lo no chão. Sem ter como se defender, Thomas teve as costas dilaceradas pelas garras e presas do imundo inimigo, que jogava pedaços de carne e tufos de pelo conforme cavocava os músculos do Fianna.

Enquanto isso, o primeiro corrompido aproximava-se de Sophie sem hesitação. Esta, procurando assumir uma forma que melhor lhe proviesse defesa, transformou-se em Crinos e rugiu, ao mesmo tempo de ódio e dor. Era uma batalha perdida, certamente. Morreriam, os dois, como heróis. Mas, se o maldito Ragabash tivesse obedecido ela, só um dos dois morreria. Gaia só teria que recolher um deles para seu ventre, novamente.

E no meio do salto do inimigo que, certamente, mataria a Philodox Sophie “Força-Da-Mãe”, um corpo foi lançado, interrompendo o pulo dele e jogando-o na parede.

Inundado em sangue, tanto dele próprio quanto do segundo lobisomem corrompido, Thomas empurrara o primeiro contra a parede, pisando nas brasas da fogueira e fazendo a luz dançar no interior da caverna.

Com um dos braços, “Último-Que-Ri” prendia o Dançarino da Espiral Negra contra uma rocha. Com o outro, enfiava as garras em sua barriga, até que finalmente alcançou-lhe o coração e o arrancou de seu interior. O corpo do corrompido ainda movimentou-se por alguns instantes antes de cair de lado, tornando-se um pedaço de carne inerte, sem vida.

Thomas jogou o coração podre nas brasas e escorou-se na parede, rindo, ao mesmo tempo em que gania baixo, por conta da carne viva que roçava o frio manto cavernoso. Sophie “Força-Da-Mãe” voltou à sua forma hominídea e encarou o Fianna com desprezo.

- Porque fez isso, maldito?! Por que? O que te levou a cometer tal loucura? Agora somos dois feridos no fundo de uma caverna! Por que, caramba? – Esbravejava ela, apertando a camiseta, que ele lhe cedera, contra o próprio ferimento aberto.

Quanto mais “Último-Que-Ri” voltava à sua forma humana, mais ele ria. Até que, entre as risadas e algumas lágrimas de dor, ele respondeu.

- De todos os golpes que levei e que desferi nessa batalha, nenhum foi mais forte do que o que dei em seu orgulho, Fúria Negra. Agora, por favor, me passe a garrafa de vodka que está no bolso da minha jaqueta, sim?

Até hoje não se sabe qual dos dois saiu da caverna com vida, uma vez que só um par de patas foi encontrado no barro molhado que a grande tempestade que afligiu a terra naquele dia deixou. Gostamos de acreditar que os dois saíram com vida, mas um deles carregou o outro para fora daquele antro.

Talvez tenha sido aquela que tinha mais força depois daquela batalha, uma vez que deixou de carregar o enorme peso do orgulho.