O GAROTO E A MANGA

Era uma vez um menininho mimado e querido . Na família era o “quindim” dos pais e irmãos, talvez por ser o menorzinho, nascido quando os pais já adentravam no outono da vida.

No Colégio conquistou o coração dos seus mestres. Não porque fosse estudioso, isso também contava, mas por ser inteligente, alegre, bem humorado, brincalhão.

Bem comportado, nem tanto. Era um capeta. A bem da verdade nunca soube o que era um dez em comportamento. No recreio ninguém o ultrapassava nas peripécias, nas brincadeiras e era do tipo que participava de tudo.

Se era para pular amarelinha, ele pulava com perícia. Brincando de toca, do anel, de boca-de-forno ou de cabra cega, era imbatível. Criativo, era muito. No Colégio havia uma caveira na sala de Ciências e um dia tirou-a da sala, colou-lhe um pano na cintura, à guisa de saia, e saiu rodando-a pelos corredores e um séquito de alunos acompanhando-o, até que as freiras descobriram e ele, não teve dúvidas, soltou o esqueleto, que se desmanchou completamente. Ganhou uma suspensão e o pai pagou o estrago. Foi o preço da travessura.

Já se viu que era extrovertido e endiabrado, mas agradável, como só sabe ser quem tem “berço”, o que se traduz por educação doméstica e isso não lhe faltava. Filho de professores, logo cedo aprendeu o significado dos vocábulos “licença”,”obrigado” e “por favor”, princípios básicos de uma boa educação.

Anjinho, santinho? Não, não era. Talvez precoce para os seus nove anos de idade, mas nem por isso deixava de ser uma criança.

Era o encanto dos seus pais e o líder da meninada, fosse no Colégio ou na rua onde morava.

Se uma bola caísse em cima de uma casa, os jogadores esperavam-no chegar da escola para subir no telhado e tirá-la de lá.

O Colégio criou um Grupo de Teatro e lá estava o nosso amiguinho interpretando um pacato cidadão que sonhava transformar o mundo.

Identificou-se com a personagem de tal modo que passou a sonhar com um mundo mais justo, sem violência e sem desamor.

O que desejava ser quando crescesse? Esta era a pergunta que os adultos costumavam fazer às crianças e Julinho – esse era o seu nome - , sempre respondia: um homem!

- Mas isso não é profissão!

- Ora, homem pode ser o que quiser e eu quero ser Professor.

Miudinho, magro, cabelos castanhos e pele morena , o menino – como todo garoto que se preza -, juntou-se com dois outros coleguinhas e os três resolveram tirar manga no quintal do vizinho.

A mãe não sabia e o pai, sequer desconfiava das peripécias do filho e em casa, calma e tranquilamente, preparavam-se par o almoço. De repente...

Um tiro ecoou nos fundos da casa. Um tiro, mais outro e mais outro. Gritos, correria...

D. Lídia e o doutor Alberto nem desconfiavam do acontecido e chamaram o filho para o almoço, mas não houve resposta. Uma hora, duas horas e o menino não voltava.

Anoiteceu e desesperados procuraram ajuda e a Polícia se movimentou procurando Julinho por toda a cidade e dez horas depois o corpo da criança foi encontrado num matagal, ainda com vida, mas respirando com dificuldade. Os olhos muito abertos, suplicavam ajuda. Às pressas foi levado ao Hospital, ante o desespero da mãe que chorava alucinada de dor. Julinho fora baleado na cabeça. Passara dez horas jogado num matagal, sangrando, sem qualquer socorro e não resistira. Morreu nos braços da mãe.

O que acontecera? Julinho pagara preço de uma manga, ou seja R$ 0,10! E pela insignificante quantia de dez centavos, dois homens mataram uma criança de nove anos de idade e ainda encontraram outro algoz, que arrastou e abandonou dentro do mato, um garoto agonizante.

Que espécie de monstro faria isto? Que morte dolorosa para quem estava apenas se divertindo? De modo errado, é verdade, pois Julinho não precisava roubar manga para se alimentar.. Os seus amiguinhos puderam correr, quando viram os homens armados de espingarda, mas Julinho estava em cima do pé de manga e não teve essa chance!

O que será que se passou na cabeça dessa criaturinha, enquanto esperava a morte? Nunca saberemos, porque os mortos não falam, a não ser pela voz da justiça, que se justiça for, manterá seus assassinos encarcerados pelo resto da vida.

OBS. Conto baseado em fato real.

MARISA ALVERGA
Enviado por MARISA ALVERGA em 25/05/2011
Código do texto: T2991567