Recordo-me de ter olhado para o relógio do meu computador pela última vez, antes de desligá-lo para ir dormir. Marcava 03h:10m. Apesar do adiantado da hora, eu quis cumprir a minha habitual tarefa de ler o meu correio electrónico, última coisa que sempre faço, antes de deitar-me. Estava exausta por um dia de trabalho, tentando pôr termo às 11 tarefas que tinha na minha lista de “coisas pendentes”. Devo ter adormecido imediatamente.

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Do escadote onde me encontrava empoleirada a pintar as paredes de minha casa, eu conversava, animadamente, com três pessoas cujos rostos não consigo identificar. Sei apenas que as pessoas que estavam em minha casa, naquela noite, eram pessoas muito próximas. Era um sentimento muito bonito o que me ligava a elas, no sonho, as quais identifico como reais, mesmo não vendo os seus rostos. Pessoas com quem estava muito à vontade.

De repente, ouço alguém subir as escadas e entrar na sala com um largo sorriso que identifiquei,  imediatamente, como sendo o do Sr. Bright. Fiquei muito feliz. Aquele sorriso era-me muito querido. Que surpresa agradável! Era alguém com quem tinha um enorme desejo de conversar, de discutir coisas, trocar impressões,  falar de tudo, mas com quem nunca tinha estado antes, pessoalmente.
 
Até àquele momento, eu não me havia apercebido de que estava com os cabelos em desalinho e com roupa de trabalho pesado. Quando deparei com ele na frente do escadote, olhando-me como se tudo aquilo fosse muito normal e com uma expressão de quem estava marimbando para os meus cabelos, desci  porque senti um enorme desejo de isolar-me dali, conversar com ele, finalmente. Senti que era meu dever tirá-lo daquela confusão de tintas, pincéis e plásticos a cobrir o chão. Se isto acontecesse, em realidade, eu teria ficado envergonhada até ao rubor, porque estava num autêntico desalinho. Todavia, o sorriso dele eliminou em mim qualquer outra decisão naquele momento, que não fosse a de sentar-me a seu lado. Apercebo-me de que, bem no fundo, eu debatia-me entre a necessidade de resolver o problema dos cabelos em desalinho, o “já não há nada a fazer” e uma vontade muito superior a essas duas coisas: conversar com ele.

Sentámo-nos em cima de qualquer coisa como um muro, mas esse muro estava dentro de minha casa. A parte superior estava protegida por uma larga barra de madeira envernizada. Estávamos ambos deliciados numa conversa linda, de agradável comunhão de opiniões, cortada de vez em quando pelo meu dever moral de ir conversar um pouco com as outras pessoas amigas, que ficaram na sala. O Sr. Bright mantinha aquele sorriso largo, cativante, mostrando compreender a minha posição. Com ele estava tudo bem, parecia ser visita permanente da casa. Eu é que não tinha o mesmo à vontade, a despeito de todo o meu entusiasmo. Eu não tinha qualquer confiança com o Sr. Bright para recebê-lo daquela forma. Queria poupá-lo ao choque dessa indumentária cheia da tinta amarela com que estava a pintar as paredes. Aparentemente, ele estava a compreender o meu embaraço. Não se notava, porém, que o incomodasse aquele cenário em desordem. Além disso, ele continuava a sorrir sempre, mesmo quando voltava para junto dele, depois de ter ido conversar um pouco com os meus amigos que, entretanto, estavam reunidos à volta da mesa da cozinha, em animada conversa.
 
Como que por encanto, numa das minhas idas para junto das outras três pessoas, o Sr. Bright desapareceu. Fiquei preocupada, porque tinha perfeita consciência de que não estava a recebê-lo bem. Perguntei por ele a alguém que me disse que ele estava sentado no carro dele, em frente da porta da entrada, conversando com a Sra. Brightness, que tinha acabado de chegar, mas que nem entrou. Curioso! Como é que a Sra. Brightness era conhecida dos outros meus amigos, se nunca lhes havia falado nela? Tudo aquilo me parecia muito estranho. Além disso, eu não estava a perceber bem como é que o Sr. Bright tinha sido capaz de abandonar assim a minha casa, sem ter-me dado as boas noites. Só porque a Sra. Brightness apareceu? Mas ele nem a conhecia ...

À distância de 13 horas, do meu sonho, tenho a percepção de que aquele grupo de pessoas era muito querido e de que eu, independentemente do quanto estava feliz por poder conversar com o Sr. Bright, sentia o dever moral de dar também atenção aos outros amigos presentes em minha casa. Teria sido esse o motivo pelo qual o Sr. Bright, cansado das interrupções na nossa conversa tão animada, se teria retirado, preferindo ir para um local onde pudesse falar com alguém menos ocupado? Que razão teria a Sra. Brightness, de quem eu era tão amiga, para nem sequer me ter cumprimentado e ir enfiar-se dentro do carro do Sr. Bright, esquecendo-se de mim? Talvez pela mesmíssima razão pela qual eu tinha tanta vontade de conversar com ele: é que o Sr. Bright era, na realidade, uma pessoa cheia de interesses, os quais suscitavam nos outros, muita curiosidade. A Sra. Brightness, provavelmente tendo-se apercebido disso numa simples troca de palavras com o Sr. Bright, teria seguido a sua vontade, negligenciando cumprimentar-me.
 
É curioso que muitas vezes, no sonho, tiramos conclusões de situações de certo modo anómalas ou desviadas da nossa normal conduta, conscientes de que estamos a sonhar. Foi o que, durante todo o meu sonho, aconteceu comigo. 
 
A minha interpretação do sonho, ao longo da minha vida, tem sido sempre a de que ele estará ligado a um facto real, que nos aconteceu, e que a nossa imaginação, mais ou menos fértil, o transforma, por vezes, num verdadeiro conto de ficção, cheio de imagens surrealistas. Eu não conheço o Sr. Bright, nem a Sra. Brightness, pessoalmente, mas os seus rostos existem, sim. Estranho muito o facto de, no meu sonho, serem os rostos destas duas pessoas, os únicos que consegui identificar.

Maria Letra
Enviado por Maria Letra em 01/06/2011
Reeditado em 02/06/2011
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