Uma Prece Para Danny Fisher

Há muitas maneiras de ir ao cemitério de Mount Zion. Pode- se ir de automóvel, através das muitas belas estradas de Long Island, ou de subway, ou de ônibus ou de bonde. Há muitas maneiras de ir ao cemitério de Mount Zion, mas nesta semana não há maneira alguma que livre a pessoa de ser apertada e perturbada pela multidão.

Por quê? - perguntarão, decerto, porque quando se está em plena vida, é um pouco assustador ir ao cemitério- salvo em determinadas ocasiões. Mas nesta semana, a semana anterior aos Grandes Dias Santos, é uma dessas ocasiões. Esta é a semana anterior em que o Senhor Deus Jeová chama os Seus Anjos para junto Dêle e abre- lhes o Livro da Vida. E seu nome está escrito numa dessas páginas. Consta da página qual será o seu destino no ano que vai começar.

Durante esses seis dias, o livro ficará aberto e você terá a oportunidade de provar que merece a bondade Dêle. Durante esses seis dias você se dedica atos de caridade e devoção. Um deles é a visita anual aos mortos.

E para ter certeza de que a sua visita aos que partiram será notada e por ela lhe dará dado o devido crédito, você apanhará uma pedrinha na terra aos seus pés e a colocará na sepultura para que o Anjo do Registro a veja quando passar pelo cemitério à noite.

Vocês chegam à hora marcada a um arco de pedra branca. As palavras CEMITÉRIO DE MOUNT ZION estão gravadas na pedra acima da sua cabeça. Vocês são seis. Olham- se sem jeito uns para os outros e as palavras lhes chegam com dificuldade aos lábios. Estão todos ali. E como por um acordo secreto, sem uma palavra, todos começam a mover-se ao mesmo tempo e transpõe aquêle arco.

À direita, está a casa do administrador; à esquerda, o escritório dos registros. Nesse escritório, marcados pelo número da sepultura e pela sociedade funerária, estão os atuais endereços de muitas pessoas que caminharam sobre a terra com vocês e de muitos que caminharam sobre a terra antes do seu tempo. Vocês não param a fim de pensar nisso porque para vocês todos, exceto eu, pertencem a ontem.

Vocês cominham por uma estrada à procura de um certo caminho. Vêem afinal: números brancos num disco preto. Entram pelo caminho lendo os nomes das sociedades funerárias sobre cada seção de sepulturas. O nome que estão procurando é visível, letras pretas polidas em pedra cinzenta. Entram na seção.

Um velho baixo com o bigode e a barba manchados pelo fumo vem ao encontro de vocês. Sorri incertamente enquanto brinca com uma pequena insígnia na lapela. É o leitor das preces da sociedade funerária. Dirá as suas preces por vocês em hebraico porque tal é o costume a muitos anos.

Vocês murmuram um nome. Êle bate com a cabeça num gesto de aquiescência que tem alguma coisa de pássaro; conhece a sepultura que vocês procuram. Vocês o seguem, passando por cima de outras sepulturas porque o espaço ali é escasso. Êle pára e aponta com a mão velha e trêmula. Vocês fazem um gesto afirmativo, é aquela a sepultura que estão procurando e êle se afasta um pouco para trás.

Um avião passa roncando para pousar num aeroporto próximo, mas vocês não o olham. Estão lendo as palavras na sepultura. A paz e o sossêgo descem sôbre vocês. As tensôes do dia abandonam- lhes o corpo. Levantam os olhos e fazem um breve sinal para o homem que lê as preces.

Êle se aproxima e fica diante de vocês. Pergunta os nomes para que possa incluíl-los na prece. Um por um, vocês respondem a êle.

Minha mãe.

Meu pai.

Minha irmã.

O marido da minha irmã.

Minha mulher.

meu filho.

A prece dêle é uma cantarola, um amontoado ininteligível de palavras que ecoa monotonotamente entre as sepulturas. Mas vocês não o estão escutando. Vocês estão cheios de recordações de mim e para cada um de vocês eu sou uma pessoa diferente.

Afinal a prece termina, o leitor da prece é pago e vai cumprir os seus deveres em outro lugar. Vocês olham para o chão à procura de alguma pedrinha. Seguram-na cuidadosamente na mão e, como os outros, um de cada vez, encaminham-se para a sepultura.

Embora o frio e a neve do inverno e o sol e a chuva de verão tenham estado perto de mim desde a última vez que estiveram aqui juntos os pensamentos de vocês são de nôvo como eram daquela vez. Estou fortemente presente na recordação de todos, menos um.

Para minha mãe, sou uma criança assustada, que se aconchega ao seu seio e procura segurança nos seus braços.

Para meu pai, sou um filho difícil, cujo amor era difícil de enfrentar, mas era tão forte quanto o meu por êle.

Para minha irmã, sou o brilhante e jovem irmão, cujo arrôjo causava amor e mêdo.

Para o marido de minha irmã, sou o amigo que partilhou a esperança comum de glória.

Para minha mulher, sou o amante que, junto dela à noite, rendia culto no santuário da paixão e juntou-se a ela num filho.

Para meu filho... para meu filho não sei o que sou, porque êle não me conheceu.

Há cinco pedras depositadas na minha sepultura e você, meu filho, ainda está ali pensando. Para todos os outros, eu sou real, mas para você, não. Por que deve então você estar aqui e chorar a quem não conheceu?

Em seu coração, há o pequeno canto dolorido de um ressentimento de criança. Porque eu falhei a você. Nunca pôde contar as vantagens de que as crianças gostam: "Meu pai é o mais forte" ou o mais inteligente, ou o mais bondoso ou o mais carinhoso. Você tem escutado em amargo silêncio, numa frustração cada vez maior, enquanto os outros lhe diziam essas coisas.

Não fique sentido, nem me condene, meu filho. Suspenda os seu julgamento se lhe é possível, e ouça a história do seu pai. Fui humano e, portanto, falível e fraco. E embora em minha vida eu tenha cometido muitos erros e tivesse falhado a muita gente, eu não falharia voluntàriamente a você. Escute-me então, é o que lhe peço, escute-me, ó meu filho, e saiba de seu pai.

Venha comigo até ao começo, ao princípio de tudo. Porque nós que fomos da mesma carne, do mesmo sangue e do mesmo coração, estamos juntos agora numa recordação.

Harold Robbins

Harold Robbins
Enviado por fhgmartins em 13/06/2011
Reeditado em 12/08/2012
Código do texto: T3032185
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