A VIAGEM E A VOLTA

Estava ansioso demais por aquela viagem. Edivan havia trabalhado por três anos e meio, duramente, naquela cidade, que dela conheceu apenas a Rodoviária e o trajeto que fazia entre a pensão e o trabalho – talvez nem isso, pois pouco dava para ver pelas janelas daquela condução sempre lotada.

O movimento naquele terminal de ônibus era tão intenso que o assustava – talvez mais do que quando esteve ali a primeira vez, vindo do seu longínquo sertão. Mas estava feliz! Finalmente ia voltar. Não tirava os olhos da bagagem. Estava ali tudo o que conseguira nestes três anos e meio de trabalho duro: Algumas roupas boas (diferentes das que usava no dia a dia), alguns presentes e um soma em dinheiro para poder se casar – objetivo maior da sua aventura por terras estranhas.

Após o embarque Edivan aproveita os últimos instantes naquela cidade grande olhando da janela com um olhar de admiração e talvez de desencanto, não era bem o que ele imaginava ser. Mas havia conseguido superar todas as dificuldades e estava de volta. Mal conseguia relaxar e dormir um pouco, mesmo exausto pelo dia duro de preparação. Mentalmente planejava a chegada. Quem será que estaria a lhe esperar? Será que a Ritinha o acharia diferente? Mais forte, mais alvo, mais bonito, talvez? Ele sonhava acordado e com um sorriso discreto, como quem se delicia com o que antecipa em seus pensamentos como seria o reencontro com a namorada que lhe aguarda a tanto tempo.

Veloz, o veículo vai deixando para trás as edificações, daqui a pouco a paisagem é vegetal e o sol se pondo distante lhe trás uma certa melancolia. Será que tinha feito grande coisa na vida? Afinal o que lhe resultara de tanto trabalho? A euforia de antes dava lugar agora às indagações e o anoitecer o faz cair em sono profundo.

Edivan é despertado de forma brusca com uma intensa movimentação e gritos dentro do ônibus. Uma jovem que viajava sozinha teria surtado e tentou pular do ônibus, pela janela do toalete. O motorista ao perceber seu intento para e a retira, ainda pela parte interna do veículo.

Aquela cena lhe choca bastante. Linda, a moça não diz nada, enquanto várias pessoas a seguram na poltrona um pouco a frente da sua. Tinha ela um olhar perdido e assustadoramente triste, o que lhe apertou o coração e sentiu um arrepio no corpo – sentiu de alguma forma um terrível medo.

Não conseguiu mais dormir (pelo barulho, acha que ninguém mais dormira). Aos poucos as pessoas vão se calando e apenas um gemido agudo e ritmado lhe incomoda ao mesmo tempo em que lhe intriga – nunca havia presenciado alguém em uma crise desse tipo. Ficou se perguntando, como alguém que está perfeito, pode enlouquecer de uma hora para outra?

Outra vez adormece e ao romper da aurora é outra vez despertado de súbito aos gritos e correria. Desta vez a moça tinha de fato saltada do ônibus, através da janela ao lado de sua poltrona e aproveitando a redução da velocidade do veículo ao passar em um posto da Polícia Rodoviária. O motorista pede o auxílio dos passageiros para que a ajudem a resgatá-la.

Era uma área de canavial e não se via mais onde ela estava. Edivan resolve que também ajudaria nas buscas e entra pelo canavial fechado, rápido e com cautela para não cortar-se naquelas folhas afiadas. De repente ele se depara com a moça, agachada e de frente para ele, com o semblante transfigurado e de aspecto animalesco. Edivan sente um medo terrível, mas resolve não recuar. Diz para que ela tenha calma e que não se preocupe que ele só queria ajudar. A jovem recua aos poucos, ofegante e sem tirar os olhos dos seus... Quando de repente é surpreendida por alguns passageiros que a imobilizam com dificuldade e retiram aos gritos daquele local. Ele apenas acompanha perplexo com o que assiste. Sente uma dó profunda daquela moça.

Já no ônibus, ele fica alheio ás discussões á cerca do que deveria ser feito. Enquanto alguns mantém a mantém presa em sua poltrona outros reviram as suas bolsas em busca de documentos e contatos com familiares. O policial que estava de plantão naquele Posto rodoviário, de posse de seus documentos faz uma verificação e constata de que a mesma não tinha passagens na polícia ou outro registro qualquer de ocorrência em seu nome. No entanto, não há indícios de contatos, nem Juliana (esse era o seu nome) sabia dizer – ou não conseguia lembrar.

Ela continuava arredia e agora agressiva o que era necessário um grande esforço para mantê-la imóvel. Por isso decidiram que o motorista deveria procurar um posto médico na cidade mais próxima para que fosse feito uma medicação e Juliana pudesse prosseguir na viagem. Já no local, um enfermeiro entra no ônibus e lhe aplica uma espécie de sedativo potente que a deixa em estado ainda mais deplorável. Apesar da injeção o enfermeiro falou que era um paliativo e de que em poucas horas ela iria voltar ao estado de antes. Diante dessa informação, formou-se um “motim” onde, principalmente mulheres com crianças se negaram a aceitar a permanência da moça naquele ônibus pois atentava a integridade e segurança dos demais passageiros. Foram horas de discussão, onde a maioria falava sobre o direito de ter uma viagem tranqüila e sem riscos. Ainda havia mais de quarenta e oito horas de estrada a percorrer. O motorista argumenta, mas ao final cede às pressões e decide que a moça ficaria naquela cidade e de que a empresa iria investigar sobre sua família e avisar sobre o ocorrido.

Edivan não acredita no que ouve e diante da irredutibilidade da decisão, resolve: Ficaria ali também e faria companhia a Juliana.

Após conseguir o seu internamento em um hospital público daquela pequena cidade de Minas Gerais, Edivan consegue através da carteira de trabalho de Juliana localizar a empresa em que ela trabalhava. Ficou sabendo que a moça era uma ótima funcionária e que havia saído do emprego depois que seus dois irmãos, com quem ela dividia um quarto de pensão, haviam sido executados por traficantes e que ela estava também sendo procurada por estes, devido a dívidas com drogas.

Apesar deste contato Edivan não consegue informações a cerca de familiares de Juliana e retorna com ela para São Paulo onde esta, inicia um tratamento psiquiátrico bancado pela empresa em que ela trabalhava que também arruma uma colocação para que Edivan fique um tempo acompanhando-a.

Hoje, três anos após este ocorrido, Edivan está outra vez se preparando para voltar a sua terra. Agora, ao lado de Juliana, a sua esposa e de Júlia, sua filhinha de apenas um ano e oito meses, que vai pela primeira vez à terra natal de seus pais.

Damísio Mangueira
Enviado por Damísio Mangueira em 21/06/2011
Reeditado em 12/07/2011
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