Januário da Fome.

No dia vinte e sete de dezembro de 1988 Januário do Pote (apelido advindo devido a sua cabeça avantajada) sentia muita fome. O dia nasceu quente, tão quente quanto sua cabeça, e sua barriga que agora doía demais.

Em horas de fome extrema, como aquela, Januário chorava um pouco, não pela fome em si, mas se recordando de seus queridos pais, que costumavam dizer:

“Januário, meu filho, por mais que sua barriga ronque, jamais pegue o que é dos outros!”.

“E mais, por mais que seu instinto tente te trair, nunca coloque pinga na boca!”.

Lembrava-se dos rostos “chupados” de seus pais, vítimas da seca, da falta de educação, emprego e oportunidades, lhes dizendo isso...

Januário contava agora 39 nove anos de vida, 39 anos de sofrimento, humilhaçõo e fome.

Três coisas sempre o acompanharam: narinas escorrendo, fome e olhos esgazeados. Chorava com facilidade, quase sempre ao se lembrar do sofrimento de seus pais para criar, alimentar e educar seis crianças. Todos morreram, menos ele, Januário, que carrega a chaga de sua cepa.

Restou ele percorrendo a vida, correndo das feras infernais que o querem devorar. Seus olhos querem cegar-se e suas entranhas querem devorá-lo feito um cão sem dono numa madrugada qualquer.

O aluguél atrasado, a vida por um fio, a cara furada de furúnculos e outras coisas mal curadas, a maldita fome, que se não fosse ela a humanidade estaria curada, faziam de Januário um de milhões de otários que perambulavam por esta terra perdida.

Andando pelas calçadas de Ferraz de Vasconcelos, num sol de esturricar mamona, monologando todo o percorrido, carcomido, moribundo, viu uma feira de frutas, e, como muitos por aí, catou às encondidelas duas bananas nanicas..., e, para seu azar, fora preso em flagrante por dois policiais que perambulavam à paisana. Furto! O famigerado artigo 155 do Código Penal. Como não demonstrou emprego nem residência fixa, fora tido como vadio, pegando cana nas costas. Seis meses apodrecendo no cárcere devido a desídia da justiça, advogados ad hoc, filas e desconhecimento dos fatos, fizeram com que um dia os carcereiros vieram com um documento informando-lhe que seus dias de cadeia haviam, por enquanto (riram), se encerrado.

Januário se ajoelhou e pediu, aos prantos, para que pudesse ficar!

Ali ao menos havia comida!

Savok Onaitsirk, 11.06.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 27/06/2011
Código do texto: T3059588
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