Chuva Árida.

A aridez trouxe a tempestade ao deserto; a tempestade de uma tarde, insuficiente para fazer brotar mais vidas além das quais ali resistem.

Ao fundo de tudo um ermitão, sentado numa rocha em formato de trono, traça recordações de quando era criança, de quando tinha mimo e um banquinho de balanço que lhe fazia monologar, mesmo sem saber o cunho significado de tudo aquilo, muito menos no que se referia ao termo monologar, quando seu pai lhe botava Pink Floyd como canções de ninar... “Hey You”...

No vento que fez um escorpião se esconder na areia, o ermitão, personagem desta “besteira”, pensou em seus ossos se dissolvendo junto a tudo que se ia voando..., tudo sem eira nem beira..., e a ele ao mundo todo se jungindo em micropartículas inorgânicas...

No solene dissolver de seus pensamentos, passou-lhe pela fronte uma equação aritmética não-resolvida no auge de seus estudos demasiadamente herméticos.

Mais adiante percebeu que o cisco que lhe perfurara o olho esquerdo nos idos de sua meia-idade, e que lhe deixara cego de um olho, bem poderia ter outro trajeto caso não se abaixasse demais naquele exato momento para colher uma raiz..., uma vez que a fome lhe forçava a andar curvado por horas e horas procurando, procurando...

Porém, pertinaz, pensando de si para si, preferia colher ervas no deserto do que comprar leguminosos tóxicos nos hipermercados dos shopping centers. Não queria comprar nada, nem negociar, dialogar, transacionar, copular ou qualquer contato humano; o deserto era o que lhe restava; ali resgatara sua altivez de dignidade humana, e ali, sem donos, transcendentalizava seus dias na companhia da grande e silente amiga, a “solidão”.

Pensou em mil acasos e ocasos de seus dias até então... Pensou na lógica das coisas que Aristóteles tanto propugnara, e que, no entanto, logicamente morrera e nos legara, aqui e agora, a possibilidade de sonharmos que tudo na vida, a partir de então, teria significado, razão de ser, feito a solidão como um ente que nos acompanha sempre em terceira persona e que a desprezamos, no entanto, por vislumbrarmos que a companhia é uma via sadia para qualquer dia..., faça chuva ou sol, aridez ou infertilidade...

Só que, porém, cada ser vai e se esvai, sem que o percebas, tão rapidamente como os ventos que nos arrancam células diárias..., aos montes, e nos deixam em precárias condições, por fim...

Fingindo estar acompanhado, finge o homem também sorrir; finge ouvir música a fim de fugir; canta sozinho no quarto para espantar os males, temendo assombrações e, desde rebento, vai indo, vai indo..., ermitão, insistindo, sem destino, na aridez da chuva ácida que cai sobre um deserto de idéias vãs..., não havendo chapéus nem guarda-chuvas aptos à proteção...

Às vezes é mais importante “sentir” que compreender...

Texto, sem lógica e sem entorpecentes, dedicado a Dr. Claudio Barbosa de Moraes, nobre causídico, grande amigo do peito.

Savok Onaitsirk, 06.06.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 29/06/2011
Código do texto: T3063937
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