O SILÊNCIO DOS ANJOS

Era mês de dezembro, o ano 1980, meu irmão que morava em um sítio tinha uma cadela que deu cria naquela época. Era uma cadela Vira-lata, que apareceu por lá. Como havia dado a luz a vários filhotes, meu irmão sabendo que minha filha gostava de animais de criação principalmente cãezinhos, escolheu o mais bonito deles ainda filhote e deu de presente para ela.

Era uma cadelinha linda, a qual carinhosamente minha filha batizou de Angelina Jolie, cuja atriz achava maravilhosa, sentava-se em frente à televisão e se maravilhava com o carisma e a beleza da famosa em todas as suas aparições, até hoje ainda o faz.

A medida que o bichinho crescia notava-se que não era cão de raça, mas nem por isso minha filha perdia por ela seu encanto.

Eu morava na cidade, vizinhos nas duas laterais.

O bicho foi crescendo e latia muito, era brincalhão e quando via minha filha já começava a pular e latir, isso incomodava o vizinho da esquerda, mas como era meu amigo nunca reclamou de nada.

O cão adorava crianças, mesmo as da vizinhança ou os parentes que chegavam ele tratava com o mesmo entusiasmo. Por três anos, no quintal, nunca mordera nenhuma delas nem ao menos avançava contra os meninos, a não ser por brincadeira, e alguns deles chegavam a perturbá-la. Era muito dócil. Minha filha tinha pela cadela um carinho imenso, tratava como se fosse um ente querido.

Um dia ao acordar notou que a cadela não se manifestara como todo dia o fazia. Normalmente já vinha pulando assim que via minha filha ou ouvia sua voz.

Depois de alguns minutos a menina resolveu olhar na casinha da cadela, voltou aos berros, o bicho havia sido envenenado. Mesmo pensando que a cadela morreria, para contentar, mais à minha filha que a mim mesmo, levei o pobre bicho ao veterinário, levou algumas semanas e muita reza da menina, um dia a cadela levantou brincando e feliz, estava curada, o que deixou minha filha radiante de alegria. Pude vê-la ajoelhada agradecendo a Deus, ali no meio do terreiro abraçada ao animal.

A filha desse vizinho da esquerda, casada, vinha passear na casa dos pais e trazia o filho, o xodó do avô. O menino estava com pouco mais de um ano de idade, uma fofura de criança, muito lindo!

Em um domingo de sol, o vizinho me convidou para acampar próximo de um rio, num lugarejo perto de onde moramos. O lugar é encantador. Muito verde, cachoeiras, bicas e o rio onde se apanha alguns peixes.

Já tínhamos ido pescar por lá algumas vezes, desta vez resolvemos levar as mulheres e crianças. Minha filha só foi porque levei a cadela para brincar com ela.

Estávamos em um churrasco, ficamos um pouco distanciados do rio, mas não muito longe, pois assim poderíamos pescar ali mesmo perto da família.

Certa hora enquanto todos se distraíram, de repente ouvi um grito estridente, era minha filha que vira o netinho da vizinha cair no rio.

O rio era fundo o suficiente para que a criança se afogasse, até chegarmos ao local por certo a criança estaria morta.

Todos viram quando a cadela passou veloz, pulou na água , e saiu levando a criança na boca, presa pela vestimenta, até onde o barranco era mais baixo, e o fez de modo que o menino não se afogasse. Nos apressamos em retirar ambos da água.

Aquela cadela Vira-lata acabara de salvar uma vida.

Não me contive ao ver o vizinho chorando com o neto nos braços, quando envergonhado pediu perdão para minha filha e confessou diante de todos que fora ele que envenenara o pobre bichinho.

Saulo Campos

Itabira MG

Saulo Campos
Enviado por Saulo Campos em 11/07/2011
Reeditado em 11/07/2011
Código do texto: T3087986
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