Contos das Estações: O Esquecimento do Inverno ( 2 )

Noah era um garoto solitário. Não aquele solitário de não ter amigos. Solitário de querer ficar sozinho muitas vezes. Quando estava nesse estado de espírito, colocava os headphones e caminhava pelas ruas frias de sua cidade. Muitas vezes parava em uma praça, onde tinha uma árvore desfolhada graças ao Outono que passara. Sentava num banco de concreto desgastado com o tempo e começava a cantarolar baixinho sua música favorita. Até que ela passava.

Era uma garota da sala dele, chamada Alice. Os dois eram iguais no jeito de ser, só que não conversavam. Cada um sentado em um canto da praça, com os headphones. Seria assim, para sempre. Ela com um bloco de desenho e ele apenas olhando para o céu cinza, para as nuvens passando. Quando ele se levantava para ir embora, acenava para Alice, colocava a mochila nas costas e continuava seu caminho.

Porém, aquele ciclo infinito estava por terminar, por um capricho bobo do destino...

Eram umas sete horas da noite, quando Noah ouviu o celular tocar. O visor mostrava um número desconhecido. Quando atendeu, a voz que ele pouco ouvira sussurrou:

- Noah, me ajuda! Por favor...

- Alice?- ele perguntou- Como assim te ajudar? Como conseguiu meu número?

- Eu estou na praça...-Alice sussurrou- Só que tem algo muito estranho acontecendo aqui... Tem uns caras... Eles estão... Socorro!

Noah levantou rapidamente da cama e correu pela rua fria, com um moletom surrado, um casaco, a mochila, os headphones e, guardado no fundo da mochila, sem saber o porquê, estava uma arma velha do pai. Poucas ruas depois, lá estava ele, na praça. Alice estava ajoelhada em um canto, com o bloco de desenho na frente do rosto. Dois homens estavam parados, na frente dela. Os dois estavam vestidos com ternos caros. Eram altos, com o cabelo espetado, fortes e com um tipo de aura assustadora. A garota estava tremendo e os homens riam.

- ALICE!- Noah berrou- AFASTEM-SE DELA!

- Ora, ora, ora...- um dos homens falou, enquanto virava na direção de Noah - Parece que temos um ratinho aqui...

Como um relâmpago, este que falou correu em direção ao menino, indefeso. Parou a alguns metros de Noah, com a mão aberta. Abriu a mão e Noah levitou.

- Você achou mesmo que poderia fazer algo contra a gente?- o outro falou- Ainda por cima com uma arma de fogo? Somos algo que vai além da compreensão humana, sacou?

" Como ele sabe da arma?"-Noah pensou-"Eu nem peguei na mochila..."

- Ver através de pensamentos, de objetos, de pessoas...- o primeiro listou- Poderes psíquicos são minha especialidade... Ainda posso levantar qualquer coisa dentro do meu limite e distorcer a realidade também...

- Me solta...- o garoto disse- Eu só quero que vocês deixem minha amiga em paz...

- Infelizmente, isso não vai ser possível...- o outro riu- O nosso chefe tem um interesse estranho sobre essa humana... O que você vai fazer com ele?

- Que tal apagar ele do mapa?- o primeiro sugeriu- Ou melhor... Vamos apagar algo mais precioso para ele... Como as memórias sobre essa garota...

- Parem!- Alice implorou em um berro

Os dois ignoraram a garota e continuaram olhando para Noah.

- Apaga as memórias, então... Viver como uma concha vazia deve ser algo horrível. Vai ser legal...

Com a outra mão, o primeiro homem tirou os óculos escuros que estavam na frente dos olhos. Quando Noah viu os olhos vermelhos do homem, um calafrio tomou conta de sua espinha e parecia que algo estava entrando dentro de sua cabeça. Do nada, um vazio tomou conta dele e seus olhos ficaram igualmente vazios. O homem riu e voltou na direção de Alice, que gritava o nome do amigo.

- O que você fez com ele?- ela berrava- Noah! NOAH!

Aqueles gritos invadiam o interior dele. Os dois homem revelavam possuir asas negras. Conforme avançavam em direção à Alice, a garota berrava mais alto. "Essa garota gritando..."-Noah pensava- " Por que ninguém a escuta? Por que ela continua berrando? E quem é ela? Acho que eu posso defendê-la... Tem uma arma dentro da minha mochila..."

- NOAH!- ela berrava- Me ajuda!

Noah pegou a arma, mirou no homem que apagou as memórias e atirou. Uma bala na cabeça e o homem caiu, morto no chão. Uma pequena esfera rolou da sua mão. O outro pegou a esfera, olhou para Noah e se foi. O garoto guardou a arma na mochila, se levantou e voltou para casa, deixando Alice na praça com o cadáver.

~//~

Dois dias depois, Noah estava sentado na praça, olhando para o nada, vendo a neve cair. Alice estava sentada no outro canto da praça, olhando para o garoto discretamente e rabiscando. Os olhos dele continuavam vazios, como naquela noite. Alice se levantou e foi em direção a Noah, com o caderno na mão.

- Você não se lembra de mim mas eu te conheço a muito tempo...- ela disse- Meu nome é Alice e isso é um presente para você...

Quando Noah abriu o presente, era um caderno de desenho. Em cada página havia um desenho dele, sentado naquele banco, em diferentes momentos do dia a dia.

- Você fez todos eles?- ele perguntou- Quanto tempo você me conhece? E faz quanto tempo que você me desenha?

- Se quiser, eu posso ir te lembrando de tudo, pouco a pouco...- Alice propôs- Que tal?

- Seria uma honra...- Noah sorriu

E assim nascia um ciclo para se superar o esquecimento causado por aquele inverno que começava.

Felipe Cesario
Enviado por Felipe Cesario em 24/07/2011
Reeditado em 24/07/2011
Código do texto: T3116332