A Primeira Profecia - O Encontro

Durante o freio, o anfíbio deslizou sobre o chão seco e tórrido e uma nuvem de poeira avermelhada tomou conta do lugar. Com as rodas travadas, desgovernou-se rumo à estrutura de ferro e chocou-se na torre central; parando atravessado sobre o meio-fio.

- Merda! – As mãos sacudiram o volante num espasmo de raiva e cansaço.

Enquanto a poeira baixava, uma imensa placa de ferro enferrujada - colocada em sentido horizontal sobre uma torre amparada por pedestais laterais - começou a aparecer. Em meio às partículas de areia e barro suspensas no ar pela força do impacto, Um letreiro, formado com restos de tubos de néon, ainda dava uma recepção apoteótica para a intelectualidade de séculos passados. O slogan, abaixo do nome da antiga instituição, dava um tom de ironia ao lugar:

“UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI”

O Conhecimento a Serviço da Humanidade

Após algum tempo, a poeira foi diminuindo; sendo dissipada com o vento seco que soprava de encontro ao carro. À frente, começaram a aparecer imensos blocos de concreto e zinco, com placas indicativas de cursos universitários já não mais existentes. A dimensão da grandeza das ruínas dava uma noção do que fora a universidade.

Em um daqueles escombros, terminaria sua procura.

- Até que enfim...! – O aparelho na sua mão esquerda piscava sem parar.

Uma rampa se abriu no fundo do compartimento do imenso trator e um velho Ford Sedan desceu para a pista esburacada. O carro adentrou sob o arco metálico, contornou o balão de acesso à Universidade e seguiu em linha reta por uma alameda deserta. A ferrugem do carro mesclava-se na paisagem assustadora do local formando um quadro de abandono e descuidado. Nas laterais do asfalto esburacado, os restos de calçamento das passarelas, que levava aos prédios de antigas salas de aula, complementavam o estado de abandono da instituição. Parte das estruturas continuava em pé, resistindo às intempéries do tempo.

O carro seguiu em frente, contorcendo-se entre os buracos no asfalto. Uma paisagem degradante refletia-se no vidro da janela traseira, como numa tela de cinema. Um sentimento de pena, com relação à arrogância dos homens, bateu repentinamente no semblante da motorista. Séculos de conhecimento transformados em decadência. O único conhecimento que agora interessava era um meio para sobrevivência e continuidade da raça humana; conhecimento perdido em nome de avanços tecnológicos.

“Tecnologias que levaram a humanidade à ruína!” – Refletiu demoradamente, parando o carro para olhar à sua volta.

Conferiu o captador de sinal e certificou-se que estava no rumo certo.

– Mais estruturas de conhecimento humano em estado de decadência total. – Concluiu em voz alta.

Acelerou devagar o velho Sedan, sequenciando os erros da raça humana:

- Prepotência... Intolerância... Ambição... Guerras... - O pensamento se confundia com a fala, com entrepostos de filosofia do caos. - “Ruínas e mais ruínas... Tudo à mercê do tempo... O tempo... Dono e senhor da situação... Desmoronando os alicerces da imponência humana...”

“Visite o Piauí. Menos nos meses do br-o-bró”

A pichação em um pedaço de muro cortou sua meditação. Seu pensamento passou a vagar entre a filosofia do caos e o lirismo inútil das frases de efeito irônico. Frases fúteis colocadas no inconsciente popular; a maioria empurrada pela mídia de ocasião de um tempo passado. Ela se confrontava com o atemporal dilema do ser humano: o embate do existencialismo verso o besterolismo do seu dia-a-dia...

- Idiota... - Lembrou-se de Koleman na janela da Bolha; lembrou-se do seu grito e do seu sorriso farto.

- Menos nos meses do br-o-bró! – Repetiu o final da frase procurando desvendar o significado. – Meses do br-o-bró... Ironia ou prevenção...?

Um solavanco a despertou do raciocínio. O carro bateu forte em um buraco e ela passou a prestar mais atenção no asfalto em ruínas.

- Deve ser prevenção. – Deixou escapar uma ponta de sorriso irônico e seguiu vagarosamente, procurando contornar a buraqueira.

O vento quente de outubro entrava pela janela aberta, batendo diretamente no seu no rosto. Já acostumada a situações de climas diversos, não dava muita importância para as pequenas rajadas de ar.

Parou no final da alameda, ao lado esquerdo; em frente a um complexo acinzentado formado por várias salas de aula abandonadas. Desceu lentamente. Os óculos escuros facilitavam sua adaptação à claridade de um sol a pico, sol de meio dia. Após uma pequena subida, coberta por grama seca, ela seguiu cautelosa por uma coxia, formada pelo antigo prédio e uma fileira de árvores semimortas. Em todo canto, amontoados de lixo completavam o estado de abandono do lugar.

No teto do complexo, um sistema de captação de sinal por satélite mostrava que ela estava no local que procurava.

Enquanto procurava uma entrada, uma rajada de vento seguia derrubando o restante das folhas mortas, que se amontoavam pelo chão formando um tapete de degradação. Agora, o vento batia mais forte em todo seu corpo; uma espécie de brisa com um calor infernal, deixando um rastro de suor por todo o seu corpo: “O calor do “br-o-bró.”

- “Menos nos meses de setembro, outubro. novembro e dezembro... Claro, é isso!” – Falou alto e sorrindo, enquanto enxugava o suor da testa. – Ah, tá... Agora não dá mais pra reclamar.

A mão esquerda pousou sobre a pistola 765; depois de destravá-la, conferiu a saída fácil do coldre e a recolocou na cintura. Seguiu em frente até um bebedouro abandonado e deparou-se com uma porta de metal com sistema de acesso codificado. Do bolso direito, na lateral da calça - à altura dos joelhos -, retirou um pequeno papel com anotação e digitou uma seqüência de seis números. A porta se abriu e um alarme soou interrupto.

- Droga...! – Resmungou, enquanto balançando a cabeça de forma negativa.

Do lado de dentro, uma escadaria levava ao subsolo À medida que descia, pisava macio, deixando seus passos mais cautelosos. Depois de galgar uns vinte degraus abaixo, deparou-se com um corredor estreito. O ar começou a ficar abafado na medida em que seguia em frente. Vislumbrou uma luz tênue em frente a uma porta de madeira, no final do corredor.

A porta encontrava-se apenas encostada,

- Até que enfim! – Respirou fundo, um pouco aliviado.

Com a pistola na mão, empurrou uma das laterais da porta; uma voz masculina ressoou do interior:

- Entre; há muito tava te esperando...

Enquanto seus olhos procuravam se acostumar à penumbra, um silêncio lúgubre tomava conta do lugar.

(Texto em montagem - Livro "A Primeira Profecia)

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 25/07/2011
Reeditado em 10/09/2013
Código do texto: T3118371
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