Quando a morte passou raspando...

Quase morri de verdade por umas três ou cinco vezes. A foice passou raspando, momento em que minha testa formigou e alguns cabelos caíram, certamente.

Já morri muitas vezes nos tiroteios das brincadeiras de criança, mas não teve o mesmo sabor ocre de uma verdadeira morte sangrenta, credo em cruz!

Os policiais dizem que quando há gosto de pólvora na saliva, pode parar e passar a mão pelo corpo que um tiro o acertou.

Relata-se que soldados mortalmente feridos em campos de batalha clamam pelo carinho materno, chorando, por vezes.

Muitos velhos rústicos e grosseiros abrem o bico quando o diagnóstico é fatal.

E assim vai... Nada é fácil sob o sol que torra...

É triste descobrir que tudo aquilo não é pesadelo, e que não adianta se beliscar... Quando a realidade berra na carne...

Os médicos sabem bem disso. Dráuzio Varella relatou bem em seu “Por um Fio”. Leiam-no!

I

A primeira vez que me recordo do vento da foice maldita arrepiando minha espinha se deu quando tinha uns vinte e poucos anos.

Residia em São Paulo. Lembro-me que vim passar um fim de semana em Poeirópolis, minha terra natal. Toda vez que vinha queria me divertir de todas as maneiras possíveis sob o sol, com os amigos, na praia. Cervejas, rock e mulheres rolavam na areia. Tarde inteira, noite inteira, vida vivida de besteira. Em São Paulo me divertia, mas não com a liberdade de quando se está em casa.

Os vizinhos fritavam umas manjubas que me cortavam as tripas e o frio estava de matar. Pegamos uns vasilhames de cervejas, amontoamos num isopor velho e remendado com fita isolante, reunimos uns caras e rumamos para a praia, logo depois do almoço.

Antes havia limpado minha mente para não cometer deslizes. A tarde corria enquanto a cerveja descia. Uma garota me flertava. Nunca a havia visto na vida, coincidentemente era de São Paulo, e passava férias com umas amigas. Ficamos.

Resumindo, no dia seguinte, domingo, comecei a ter delírios. Peguei o ônibus de volta pra São Paulo à noite. No trabalho, muito mal, muita dor de cabeça. Pedi para ir embora. Dormi e acordei vomitando tudo e com uma dor na cabeça que nem o capeta agüentaria. Não havia analgésico que dava jeito. Pronto socorro: meningite meningocócica, que de forma alguma causava cócegas.

Os médicos diziam que a cura era incerta, que poderia morrer ou sofrer seqüelas. Por sorte ou Deus nada aconteceu.

II

Outra se deu uns cinco ou seis anos após, numa estrada ensolarada que liga Jepiraquara e Franca do Imperador. Era domingo. Bebemos boa parte da noite num boteco rock, dormimos algumas horas, e acordamos abrindo mais latas de cerveja. Era meio dia quando resolvi partir com meu corsa 1.0, verde.

Ao tentar ultrapassar um caminhão, num ponto cego de curva, de súbito surgiu uma camionete D10 azul, como uma flecha, em sentido contrário. Por sorte ou por Deus o cara da camionete conseguiu aproximá-la do acostamento e eu com meu corsa verde passamos raspando entre o caminhão e a camionete. Alguns metros depois parei o carro no acostamento, debaixo de uma árvore na curva, saí do carro, ajoelhei e rezei... Meu coração ameaçava sair pela boca. Segurei-o a tempo, antes que caísse no chão de terra solta, levantando leve poeira.

Tem coisas que não encontramos explicação, e, diante isso, nos aquietamos e agradecemos a tudo quanto é santo.

III

Outra vez, e mais uma vez bêbado, numa esquina de Poeirópolis, na avenida central, a única, parei, olhei e escutei, diante isso segui com meu Vectra 96. Quando percebi estava girando no ar. Um míssil me atingiu em cheio, na parte traseira do carro, lançando-o contra um poste. Por um lapso não arrebenta minha porta e minha vida. Desci atordoado, querendo bater no condutor do míssil, que na verdade era uma camionete dessas modernas. O cara estava bêbado e dirigindo 100km acima da velocidade permitida. E assim umas duas ou três vezes se sucederam, por isso não dirijo mais automotores.

IV

Muitas coisas podem ceifar nossos dias, partindo de todos os lados. É preciso mais que atenção. É preciso sorte e Deus... A morte a cada segundo nos chama baixinho para que a sigamos, às vezes até dá uns puxões na manga de nossa camisa... Não dê atenção, a não ser que seja mesmo a nossa hora de partir para aquele lugar que todo mundo supõe, mas ninguém de fato conhece...

Com o passar do tempo vamos ficando mais cabreiros, aprendendo a prolongar, esticar daqui e dali um pouco mais nossa estadia nesta esfera profícua...

Outros riscos de morte se deram em tenra idade, quando meus pais prontamente me encaminharam às pressas para o pronto-socorro mais próximo, os quais minha memória agora falha...

Mas fica a lição sobre a morte: “ad cautelam”, espere a sua vez...

Não queira adiantar as coisas...

E sempre tome uma taça de vinho antes de tudo..., se possível ouvindo sua canção predileta...

E não chore, pelo amor de Deus!

As luzes se apagam e a natureza flui...

Savok Onaitsirk, 04.08.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 05/08/2011
Código do texto: T3140504
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