João, O Muquirana.

O Sr. João trancava a geladeira com cadeado, para que mulher e dois filhos não ficassem beliscando coisas sem necessidade; comprava um ou dois pães, de acordo com a necessidade momentânea, e os dividia entre os filhos; esperava o fim da feira para colher uns restos de frutas e verduras que sobravam nas caixas, normalmente verduras não aproveitadas e em princípio de putrefação. Comprava sempre a carne mais barata, tudo o mais barato, a vida mais barata e ordinária, não porque não tivesse dinheiro, isso tinha e muito, mas porque era um filho-da-puta, um muquirana doente.

Seus filhos e sua mulher, que Deus a tenha, que o digam.

João era viciado em dinheiro, não como meio de alcançar outros sonhos, desejos, bens materiais, ou se curar de sua própria demência, mas no papel mesmo, no seu cheiro e textura. Dizem até que João comia dinheiro, literalmente.

Vestia-se sempre com o mesmo modelito de calça de tecido barato, parecendo tecido de saco de algodão, aqueles de hospitais de atendimento ao público em geral, do interior do nordeste, à qual levantava até o umbigo, apertando bem o cinto, dando a impressão de uma pamonha mal amarrada, ou mesmo aquele coiote, personagem do desenho animado papa-léguas.

Desde crianças, quando ouvíamos relatos sobre o comportamento avaro de João ficávamos boquiabertos, achando que tudo aquilo não passava de disse-que-me-disse ou comédia pastelão. Mas não, tempos depois fomos confirmar que João era daquele jeito mesmo.

Católico fervoroso, ficava sempre ansioso pelo dia da Mãe Rainha, com sua caixinha de moedas, até o dia em que, fazendo um trote, descobriu-se que João gostava mesmo eram das moedas, às quais retirava quando da sua vez, que sempre ficava no meio do quarteirão, para não gerar suspeitas.

João é um desses avarentos que reaproveitam o fio dental, o borro do café e usa o papel higiênico dos dois lados. Teve até a história da aspirina que deu para o filho amarrada numa linha, e quando o filho a engoliu ele a puxou de volta para reaproveitá-la. Mas essa pode ser apócrifa, uma vez, acredito, a aspirina se dissolveria.

Sei que João matou sua mulher de desnutrição, seu filho fugiu e fora criado por vizinhos e hoje o mesmo vive sozinho, dormindo tranquilamente, sonhando com cifrões, num colchão especialmente confeccionado para ele, ambos, colchão e travesseiros, estofados com notas de cem reais...

Ao menos, pelo amor de Deus, lhe tiraram o caixinha da Mãe Rainha..., pois o céu estava sendo desfalcado naquela miserável fração referente ao Sr. João.

Savok Onaitsirk, 09.08.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 10/08/2011
Código do texto: T3150858
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