A Primeira Profecia - A Verdade Oculta

A pistola engatilhada estava a poucos metros à sua frente, a mão feminina segurava a arma com firmeza mostrando-se acostumada com o manuseio. Sem tirar os olhos da mulher, apertou o medalhão com a mão esquerda e sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo. Não era um arrepio de mal estar ou prenúncio de morte, mas uma sensação estranha de renascimento, daqueles que o ser humano só sente ao ver a vida brotar das entranhas de outro ser; e há muito tempo ele não recebia notícia de uma nova vida. Agora, ela estava ali, bem a sua frente. A mesma fisionomia, os mesmos contornos carnais de uma bela mulher. O olhar firme, penetrante; segura de suas ações, como antes. Silenciosamente, agradeceu ao milagre da vida.

O silêncio parecia diluir o tempo, transformando segundos em uma eternidade. A mão continuava a apertar o medalhão contra o peito, parecia querer esmagá-lo. De repente, o estampido da arma pareceu vir de longe. O corpo foi caindo devagar sobre seus braços enquanto o sangue jorrava do orifício na testa. Um grito de dor e loucura tomou conta do lugar, era seu grito querendo sugar para si a vida que ia se esvaindo em sangue. Em meio ao desespero , apenas abraçava o corpo esmaecido e já quase sem vida – nada podia fazer.

- Poderia abaixar a arma, por favor? – Falou mansamente enquanto as lembranças iam se dissipando na sua mente. – Não há necessidade deste constrangimento – continuou calmamente - Eu já a aguardava...

- Como sabia que eu viria?

- Não sabia que era você... - A voz começava a sair naturalmente. – Sabia que viria alguém algum dia... Fico feliz por ter sido você!

- Feliz por ser eu?

Ele sentiu a aspereza em suas palavras e tentou remediar seu entusiasmo de ocasião.

- Veja bem... – a mão esquerda já não segurava o medalhão e ele procurava amenizar seu nervosismo balançando ambas levemente – Há muito não saio daqui e não sei que tipos de pessoas andam vagando por essas bandas. Você, pelo menos, não me parece que tenha vindo até aqui apenas para fazer um saque... Veja, não tenho nada de valor além desse velho computador e alguns livros...

- Você tem muito mais do que imagina e sabe disso...

A observação saiu brusca e ele baixou o olhar enquanto elevava as duas mãos frontais até a altura da cabeça tentando se recompor da surpresa.

- Como assim, muito mais do que eu penso?

- Na sua porta não tá escrito, mas sei que você se chama Marcos Antonio... Melhor falando, Dr. Marcos Antônio, o mais renomado biólogo que esta sucateada universidade já possuiu...

Ele se sentiu acuado com suas afirmações; ela realmente o conhecia. Não como antes, a arma em sua mão demonstrava isso.

- O que você quer de mim?

- O que todos que ainda estão vivos querem, Dr. Marcos Antônio... A eternidade!

Outro silêncio repentino tomou conta do lugar, apenas os olhares se cruzando. Ele segurava novamente o medalhão e nuances de sua vida começaram a passar rapidamente na sua mente. Novamente ele a via em seus braços sem vida, e um choro compulsivo brotava das suas entranhas , misturado ao desespero da dor da alma e da perda inesperada. Mas agora ela estava ali, não o reconhecia. Sim, estava viva. Ele sabia que conseguira o que muitos vinham tentando há séculos: a imortalidade do corpo. O renascimento e a cura de todos os males... A tão sonhada eternidade para os homens. Não a eternidade etérea prometida pelos pregadores de um Deus raivoso, mas a complacência e a sabedoria da natureza em dar ao homem a capacidade de evoluir até vencer a morte.

- Você está certa, você é a maior prova disso... – Ele a olhou bem nos olhos e a encarou em desafio. - Mas, falta um último detalhe para essa sua tal eternidade...

-Qual detalhe, Doutor?

- O resgate do chip do subconsciente humano; trazer de volta as lembranças junto com o renascimento do corpo. Fazer a vida renascer com todo seu passado, com toda a culpabilidade dos seus erros para seu processo de evolução...

Ela agora apenas o olhava, a mão relaxada postou a pistola ao lado da cintura enquanto ele continuava falando. Ele explicava-lhe que toda sua pesquisa fugira do dogmatismo das religiões, que tudo ia de encontro a qualquer religião baseada no poder, e não no amor. O pai que sacrificava o próprio filho era uma coisa espantosa para ele. Na criação do mundo, a rebelião angelical e o castigo do fogo do inferno. Depois, o conhecimento da árvore do bem e do mal e a expulsão do Paraíso terrestre. E o cúmulo da crucificação de Cristo como forma de aplacar o ódio divino! Trágico e cruel começo para a humanidade através da prepotência, ódio, prepotência, pecado, castigo... Tudo baseado em dogmas de igrejas detentoras do reino do céu.

- ...Assim, em meio ao caos que o homem transformou a terra, começará uma nova era; a era de um ser ainda passível de morte frente às intempéries da vida, mas não mais à mercê dos julgamentos celestiais. A profecia da vida eterna se concretizando pela mente e ações dos homens. Mas isso eu não consegui decifrar ainda... Falta o resgate da mente humana de cada ser humano. Este virá do processo de uma clonagem perfeita; clonagem de seres humanos não mais passíveis de males, seja de uma simples gripe ou do processo degenerativo do corpo...

A mão elevou-se novamente e um estalido mostrava que a arma agora estava engatilhada.

- Você não conseguiu ou não quer falar, doutor?

- Só tem uma maneira de você saber – ele virou-lhe as costas e falou em tom zombeteiro. – E se atirar em mim nunca saberá... Então, abaixe essa arma!

Talvez a eternidade não seja tão silenciosa e tão cheia de indecisões como aquele momento.

Texto em montagem; (Livro - A Primeira Profecia)

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 15/08/2011
Reeditado em 29/08/2011
Código do texto: T3162276