Diário de um Vagabundo.

Acordei às onze e doze da manhã. Não quis escovar os dentes naquele dia. Cansado de tantas escovações em meus cinqüenta e sete anos de idade. Resolvi fazer um gargarejo com uma Heineken que estava geladinha na geladeira havia alguns dias. Eu a olhava e ela também me olhava toda vez que abria a geladeira. Nada melhor que gargarejo com Heineken logo pela manhã. A garrafa verdinha instiga o cidadão a provar seu conteúdo.

Nunca trabalhei e me vanglorio disso. Me chamo João, João Ninguém, como sou conhecido.

Com esse apelido, pança redondinha, fala mansa e sorriso nos lábios conquistei centenas de votos nesta pequena cidade e estou em meu quarto mandato como vereador. Existe até um banco na praça com meu nome, o que me deixa orgulhoso pela consideração de meus queridos concidadãos.

Desde criança gostava de sorrir para as pessoas e prometer coisas. Qualquer coisa. Raramente cumpria alguma, mas quem se importa? Logo se esqueciam. O brasileiro é um povo esquecido por natureza, e candidato que capta tal mensagem certamente se dá bem.

Sorrindo e andando todos os dias pelas ruas centrais da cidade, balançando a pança, parando em bares, pagando uma pinga ali, um chiclete acolá, fui conquistando meus eleitores, sempre sorrindo e prometendo, prometendo e sorrindo, e balançando a pança. Vereador que se preze tem que cultivar boa pança, senão não ganha respeito. Homem gordo tem mais notoriedade, mais espaço, dando a impressão de mais forte e com mais alimentação, em detrimento do homem magro, que aparenta passar fome ou necessidades, ou possui alguma doença ou é viciado em drogas.

Tem dias que passo em meu rancho, adquirido logo no primeiro mandato, quando votei a favor de um projeto esdrúxulo, que daria uma boa desviada de verba a favor do então prefeito. Me lembro que todos os vereadores lucraram. Uns compraram carros importados, outros terrenos, outro comprou um apartamento de luxe e eu preferi um ranchinho que sempre sonhei, com uma piscininha, churrasqueira, campinho para as crianças e algumas árvores frutíferas. Passa ali bons momentos de minha militância. Meu lema: ajudar a quem precisa, e o povo não precisa de muito. Do povo se consegue muito com pouca coisa. O povo tem o ideário do ‘pecado original’, e quando a questão envolve Deus e honra, o povão, principalmente o menos culto, cai mesmo na emoção e lhe confia um voto. Peço mesmo que seja um em uma família numerosa. Digo que para mim basta a confiança de um voto que terei sempre consideração por aquela família. No fim das contas ganho mais que um, sei disso. Nada que um sorriso e algumas telhas ou tijolos não dêem jeito. Crianças, mesmo que não votem, compro com balas, doces e brinquedinhos do um e noventa e nove, desde que os pais estejam presentes, para que vejam o quão sou generoso com seus filhos. E assim sigo minha trajetória de vereança nesta plaga de nosso Senhor.

Acho que vou dormir mais um pouco, pois à tarde vamos nos reunir no rancho para um churrasco de carneiro, mas, ali, só entram a “elite”... E no fundo no fundo, cá entre nós, queremos mais é que o povão se exploda, mas nunca deixe de sorrir e acenar para eles...

Savok Onaitsirk, 18.08.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 22/08/2011
Código do texto: T3175410
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