Joguem-me na Lagoa!

O homem, negro, aparentemente pobre, sujo, estava recostado na parede olhando para o vácuo. O que se passava em sua cabeça?

Sua mulher provavelmente o abandonara, levando consigo os dois lindos filhos do casal, os quais, por sinal, denotavam aparente desnutrição.

A mulher tinha olhos tristes e profundos, com grandes olheiras roxas. Há muito não conseguia bico nem como doméstica.

O marido, ali recostado na parede, muito magro, não tinha forças para o trabalho pesado e nem qualificação para algo melhor.

Na esquina alguns passavam e apenas olhavam, incrédulos, aquele cidadão que há horas se prostrara no mesmo lugar, olhando o vazio. Tinha-se a impressão que sequer piscava. Era uma estátua? Crianças davam gargalhadas e apontavam, mostrando para suas mães: o doido! O doido!

Por compaixão, parei onde estava e lhe ofereci dez reais, dentro de minhas possibilidades, ele sequer olhou, mantendo-se silente, com seu olhar vítreo, vislumbrando algum país imaginário onde aquilo não acontecesse com pessoas como ele, que nunca sequer pensou mal de alguém.

Era uma pessoa de bem, só não aceito pelo sistema, que exigia mais do que lhe proporcionava, e lhe sugou até que se transformasse no traste inválido que é agora.

Deixei os dez reais no bolso de sua camisa, com receio de que se ofendesse por algum motivo, e fui caminhando lentamente, olhando para trás e vendo que ele continuava lá, estático, na mesma posição...

No dia seguinte passei pelo mesmo local e percebi uma multidão aglomerada ao redor de uma pessoa caída, provavelmente sem vida, com uma numa nota de dez reais sobre o peito, com escritos que diziam:

“Nunca prestei para nada mesmo. Não preciso nem de caixão nem de cemitério, cova, túmulo, certidão de óbito... Não quero gastos nem problemas nem esforços para o Estado. Antes que “cheguem”, juntem aí uns dois ou três bons homens, os quais desde já fico grato, e me joguem na lagoa, deixando ao menos que meu corpo que, quando em vida, fora inútil, sirva ao menos de alimento para peixes e outros microorganismos... Quero ser útil pelo menos depois de morto!”

Enquanto isso, aproximadamente no mesmo momento, alguns vereadores se reuniam num rancho com piscina, a fim de debater “projetos”, bebericar um dezoito anos e “sapecar” uma picanha, enquanto suas mulheres assistiam Ana Maria Braga na T.V... Era cedo, tarde da vida para aquele corpo que um dia fora uma criança e porventura correra e sorrira na vida, boiando na lagoa, sob um lindo céu azul...

Savok Onaitsirk, 31.08.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 01/09/2011
Código do texto: T3194240
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