Encontros no silêncio

Olhava a praia, e via o sol lá no fundo colorindo o horizonte. Aquela hora estava tudo em perfeita harmonia. Estava ali há horas , pensando em sua vida, esperando a volta do filho, que na areia , brincava com as ondas calmas, que molhava seus pés num sussurro frio e acolhedor. Ria ao ver o filho encantado com a imensidão que lhe ocupava o olhar.

Abriu um livro, mas a brisa e o morno que vinha do mar lhe dava uma preguiça, o que lhe ajudava a relaxar, e encontrar naquele momento

algo próximo de felicidade, sem preocupações ou medos. Apenas a natureza lhe dando conforto. Respirava profundo, sem receio de afogar com o próprio ar. Percebeu que não pensava em nada, apenas sentia. A vida era um clarão numa floresta. Um lugar que dava vista para o céu, para o horizonte, que se quedava no final das águas. Uma pontinha de esperança lhe afrouxava o coração. Uma gratidão doce lhe molhava o peito.

Benjamim na água, também dentro de seu sonho, apenas ele e o mar, brincando e se conhecendo. Se divertia quando o filho arriscava um pouco mais, alguns passinhos pra frente, água no joelho e a corridinha repentina de volta à areia. Quando o seu coração se amedrontava, e o castelo construído com suas mãozinhas pequenas, era-lhe um lugar seguro, um campo de imaginação secreto e duradouro.

Olhou a rua de cima, ainda como antes, não poluída pelos grandes empreendimentos. A praia ainda criança, preservada do canto capitalista. Cresceu ali e, pouca coisa mudou. Se viu em Benjamim. Se viu na mesma praia com a mesma idade, os mesmos receios de ser tragada pelas ondas fortes, pela profundidade sem fim , que sabia existir no mar.

Deixou o livro no banco, que era voltado pra rua. Pra ver o filho era necessário apoiar os cotovelos no encosto. Sentou na beirada lateral, o livro abandonado, aberto em qualquer página. Juntou os cabelos com as duas mãos e prendeu, puxando pra trás, espreguiçando as costas. Um prazer correu sua espinha, uma dor, uma liberdade, o alivio que veio numa respiração mais prolongada.

A maré punha a subir. As pequenas ilhas de pedras afundavam, eram apenas sobras em pontas, se perdendo na pasta pesada que o mar se transformava. Andou sem pretensão pela calçada, e viu seu pai do outro lado chamando pra ir embora, que o almoço estava pronto e estavam todos esperando sua chegada. Ali era abraçada pela cintura e carregada até o alto, perto do céu, e sentia o encontro com pai, como um ponto seguro. Nele um coração pronto pra lhe sustentar no mundo, pra sentir seu medo, sua angustia, deixando livre, apenas pra viver e ser criança.

Revelava segredos e segurava em sua mãos, até que aquilo que lhe foi descoberto fizesse sentido, e pudesse de novo brincar, continuar sua felicidade: Uma vida segura, apenas uma interrupção para crescer. Sabia que ainda teria seu pai, sua mãe, e todo aquele ambiente de pássaros, águas e passeios. Não perderia nada. Riu um sorriso gostoso e generoso com essa memória, não se lembrava mais desses momentos bons, que era especial, esperada, amada pelo seu pai. Parte do seu sentido era reservado a ela. Se seu coração perdesse o ritmo, o sorriso daquele homem estava perto, fazendo voltar, como um maestro diante de uma orquestra,

Do outro lado da rua, a sorveteria, que já não existe, apenas o nome descascado em letras grandes e pretas, a porta de ferro, enferrujada e fundida na calçada pelo acumulo de detritos. Um sombra, um resto que se agüentou. Uma gritaria lhe acudia por dentro. Todas as crianças querendo ser a primeira, a fila que não andava, o parque que já rodava. Riu de novo, mas com lagrimas nos olhos, o medo lhe fez perder a imagem. Lembrou de Benjamim, que fazia um buracos cada vez maior. De dentro, jogava pra fora, caçambas de areias. As duas mãozinhas cavacando. Querendo se esconder, sabe lá de que, talvez da beleza extravagante que também lhe deveria sufocar.

Desceu a escada de madeira que dava acesso a areia, recolheu os brinquedos, todos num saco de nylon, amarrou, pegou na mão de Benjamim e levou até bica. Lavou-lhe os pés, as costas, passava a mão em seus cabelos e ele ria alegre. Apenas escutava. O som que lhe saia da boca, parecia um sino de cristal que explodia colorido no ar.

Subiu de volta á calçada. Ele correu na frente, até ficar pequeno no quiosque de palhas no meio de turistas imersos em conversas animadas e prolongadas. A tarde já ficava tímida, a beleza estava partindo. Daqui a pouco a noite chegaria, outro olhar, outro prazer, outro encontro...