UM NATAL COM MAICO JETSOM.


Dia 18/12

     Vou ser bailarino. Igual ao Maico Jetsom. Por enquanto aceito ser papai noel porque é uma chance de ganhar uns trocados já que a barriga ronca há dois dias. A moça foi legal, me deu essa chance, mesmo eu não tendo experiência deste serviço.Acho que ela me escolheu por causa de minha barba comprida. Ser Papai Noel é fácil, mas tive que pintar a barba e vestir a fantasia. Ela foi legal, me deu comida, tomei um bom banho e posso dormir no almoxarifado. Tirei a sorte grande neste fim de ano. Já estava desacorçoado. 


Dia 20/12

     Vim para capital atrás de ser bailarino. Assim como o Maico Jetsom, mas não deu jeito ainda. Fui no teatro, na escola de dança. Um senhor tinha indicado na viagem.Ele disse: quer ser bailarino tem de ir ao teatro, lá tem escola de dança. Ele tava com cara de quem estava debochando de mim, mas fui assim mesmo. Disseram-me que tem que fazer teste. Só no começo do ano.Por azar me roubaram minha sacola com a malha de dançarino e as sapatilhas, meu dinheiro, meus papeis. A malha e as sapatilhas ganhei lá na minha cidade. Todos lá sabem que eu tenho este sonho. Uns rapazes me deram de presente. Naquela noite eles me pagaram uns conhaques no bar da praça. Fiquei tão alegre que passei da conta.Vesti lá mesmo e dancei para o pessoal quase igual ao Maico Jetsom. Muitos aplausos e uma dor de cabeça miserável. Não sou acostumado a beber. 

Dia 21/12

     Contei essa estória para a moça e ela chorou. Não sei porque. Daí me deu este emprego. Ta bom, já é alguma coisa. Pelo menos não passo fome e tenho onde dormir. Agora é isso. Ficar o dia todo na frente da loja tocando sino e fazendo HO, HO, HO, para as crianças que passam. Distribuo balinhas também. As crianças gostam e eu também gosto muito de criança, principalmente dos meninos são muito puros, gostam de brincar e não choram a toa, levo alguns lá pra trás para ensinar uns passos, os maiores. A moça me disse que vou passar o natal na casa dela com a família. Ela é legal mesmo. Tem pena de mim. Quando eu for dançarino famoso não vou esquecer dela. Gente boa. Diferente do meu pessoal lá de casa. Não acreditavam em mim queriam só me internar naquele lugar horrível. Só tinha gente doida. Meu pai tinha vergonha de mim desde que eu era menino porque eu sempre gostei de dançar, vestir as roupas das meninas para interpretar a dança e me maquiar como no teatro. Me batia. A vida era só trabalhar desde pequeno no corte da cana e serviço de roça. Não é coisa para criança não. Fugi, vim embora atrás do meu sonho. Mamãe morreu de desgosto, exaustão e pancada. 

Dia 22/12


     Acho que ta ficando difícil agora depois do acontecido: fui passear depois do serviço pela cidade. Alguns rapazes mal encarados de cabeça raspada, tatuagens no peito e braços fortes, estavam a me seguir por tudo. Aonde eu ia eles iam também. Estava com medo, resolvi ir embora para a loja. Me pegaram na praça. Me bateram, me chutaram, quebraram meus dentes, meu braço, rasgaram minhas roupas, furaram minha barriga. Sorte que uns soldados botaram eles para correr senão eu estaria morto. Agora deitado nesta cama de hospital, todo arrebentado to achando que ser bailarino não vai dar mais não. 

Dia23/12


     O doutor me disse que além das feridas e ossos quebrados, estou muito doente, de doença ruim. È uma sigla me explicou. Acho que a moça ficou sabendo, pois não veio mais aqui. Ta certo que é época de natal e ela tem muito trabalho. Passar o natal na casa dela não vou mais, acho. 

Noite de Natal

     Hoje é véspera do dia que Jesus nasceu. Meu colega aqui do lado morreu esta manhã. Maico Jetsom dança no meu travesseiro. Lá fora as luzes acendem e apagam. Acho que estou chorando. Não sei porque. Devo ficar feliz. È Natal.


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Humberto Bley Menezes
Enviado por Humberto Bley Menezes em 16/12/2006
Reeditado em 16/12/2006
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