Barraca de Pastel

Pega lá os fios pra descascar, vamos vender pra Vadim Prejuizo. a Gente ia lá pegava um monte fios velhos de eletricidade. Meu pai de cócoras metendo a navalha e trazendo o cobre pra fora. Aqueles que eram muito flexíveis, botava fogo. Depois era só bater forte contra o chão. O que ficava valia dinheiro.

Na volta, comprava pão, feijão, café e outras coisas. Não podia faltar café em casa. Todos Éramos viciados. Era bem importante pra matar a fome ou enganar o estômago durante os intervalos das comidas. Meu pai era um tanto desonesto. Dos cabos de força de alta tensão, não retirava a barra de aço do meio, era vendido daquele jeito, a preço de alumínio. A gente não se importava, mesmo na hora da pesagem. Diante de Vadim, dava ate vontade de rir, meu pai que pisava no nosso pé pra ficar calado. Era impressionante, não dava nenhum sinal de culpa ou de duvida. Recebia o dinheiro que com esse artificio era multiplicado pra três ou quatro. Prejuízo quem tinha mesmo era Vadim, que nunca desconfiava.

As coisas que trazíamos pra casa enchia nossa mãe de alegria. Nunca falávamos no assunto da barra de ferro, nunca mesmo. Todos sabíamos, mas entrava como um inocência que se traduzia num pouco mais de café e feijão.

Na hora do almoço, minha vo colocava o prato de cada um. Em geral

de acordo com quem ela gostava mais, essa era a ordem, eu sempre recebia primeiro, mais uma coisa que ninguém falava, ,mesmo com os outros perto puxando sua saia e dizendo que colocasse logo o prato deles. Ela fingia que ninguém estava pedindo.

Íamos todos pra frente da televisão. Era a primeira vez que tínhamos uma em casa, antes era um sofrimento, ficávamos na rua, na janela da casa dos outros, passando carão pra ver os desenhos pela manhã. Agora que temos essa em casa, mesmo na hora de jantar, todos íamos para o sofá olhar a novela e comentar dos jornais, que ninguém de fato entendia o que queria dizer tudo aquilo.

Meu pai gostava do jornal nacional. Não falava nada, mas deixava a gente intrigado com a cara de inteligente que ele fazia, concordando com tudo

que o homem de gravata falava. Levava o prato pra cozinha e sumia no mundo. Ia gastar o resto do dinheiro que sobrava da tramóia do alumínio.

E foi que nessa época devido à prestação da televisão que estava sempre atrasada e a falta de vontade de trabalhar de meu pai, que minha mãe começou a

pensar numa forma de ganhar mais dinheiro. Ela teve a idéia de fazer pastel pra vender. Acontecia a eleição para prefeito. Os comícios eram bonitos e vinham bandas de outras terras que faziam alegria do povo. E foi nesses eventos que minha mãe pensou em colocar sua barraca de pastel.

Comprou umas tábuas velhas de cedro e, parecendo um homem, já que essas coisas meu pai não se prestava, cortou todas direitinho e fez também uns cavaletes. Estava feita nossa bancada.

Estava chegando o próximo comício e ela muito animada. Nem sequer me lembro como ela aprendeu a fazer aqueles salgados, mas ficaram bem gostosos. Foi um sacrifício pra ela dar um pra gente experimentar. Meu pai não quis nem saber, todo envergonhado disse que não participava desse tipo de coisa, que preferia

esperar o candidato dele ganhar e receber o emprego. Ficou em casa assistindo a televisão que nem estava paga. Nessa hora nem me importei com a cara de inteligente que ele fazia, nem achei mais. Todos alegres e querendo vender os pasteis e ele preferiu ficar na televisão. Minha mãe só fez uma cara de desencanto.

Na frente ia eu e meu irmão. Eu com uma bandeja de pastel e ele com outra de banana real, que na verdade era um pastel de banana da terra, invenção de minha mãe. Ela que deu esse nome, nem sei porque, isso diferenciava do pastel de carne que era infinitamente mais gostoso. Ainda mais com molho de pimenta malagueta.

Atras, fazendo um esforço danado, minha mãe, com a mesa na cabeça andando bambeando parecendo que ia cair. As vezes olhava pra trás. Dava uma dó dela, com os olhos pra frente igual bailarina de circo se equilibrando. Virando a cabeça na esperança de que meu pai viesse ajudar. Foi assim o caminho todo, em tempo de quebrar o pescoço de tanto torcer com todo aquele peso. Eu ficava do mesmo jeito, acompanhando o jeito triste dela andar.

Muita gente quando chegamos. Armamos a mesa e de fundo a música da campanha: “Está chegando a hora da mudança, da esperança e do futuro renascer” Achei bonito, um homem em cima do carro, tocando um violão de verdade, nunca tinha visto assim, bem de perto. Só na televisão . Ele tocava e cantava, deu uma vontade de ser eu de estar ali, na frente de tanta gente tocando aquela musica.

Depois meus sentidos voltaram pra minha mãe, que terminava de arrumar a mesa. Não tinha banco, então ficamos a noite toda de pé. Ela parada ansiosa. As vezes passava uma pessoa e prestava atenção na mesa. Que ficou muito bonita. Uma toalha quadriculada de duas cores deixava toda a barraca mais alegre. A gente doido pra ver ela vender e olhar na cara da pessoa mastigando. Só pra ver se também achava gostoso.

Passou muito tempo e nada de ninguém comprar. Era tanta gente, mas todos apenas olhavam. Fiquei pensando se não tinham dinheiro. La pra de madrugada aparece um homem de chapéu e comprou um pastel. A gente estava tão cansado e com sono que nem prestamos atenção nas mordidas dele. Isso nem era mais importante.

Na hora de desarmar a bancada a cara de minha mãe era só tristeza. Eu nem sabia o que pensar ou dizer de tão sem graça que a gente estava. Se tivesse dinheiro comprava tudo dela. Só pra ela ficar feliz. Dobrou a toalha com tanto cuidado sem querer parecer triste. Deu na mão da gente as bandejas e pôs a bancada enorme na cabeça. Vendemos apenas um, fiquei pensando. Estava tão frio aquela hora.

Chegando em casa, entrou na cozinha e tirou todos os salgados da bandeja e perguntou se a gente queria comer um. Eu disse que sim. Ela me deu dois, bem grande, que comi com muita pimenta. Ela na porta da cozinha olhando pro quintal. No fundo, perto do muro, um monte de cabos, ainda sem descascar.....