FINA FLOR

Ralph estava completamente desligado das ocorrências em seu entorno. Uma bola de futebol passou raspando sua cabeça. Continuava, porém, absorto em sua leitura. Sentado num banco folheava uma revista especializada em jardinagem, sua paixão. Adorava flores. Aliás, poucas casas possuíam um jardim estilo japonês tão florido e bem cuidado como a sua. Era seu orgulho maior. Queria, futuramente, um jardim com sistema de sonorização. Buscava informações sobre este projeto também, nessa revista. Queria concretizar o sonho de tomar o café da manhã sob uma das pérgulas em dias ensolarados ouvindo, preferencialmente, Chopin.

Aquele verão estava infernal. Após enxugar o suor de sua testa, por um instante fechou os olhos e mergulhou em coloridas e perfumadas lembranças. Devido ao forte calor, jurou estar sentindo o cheiro perfumado das caliandras e esponjinhas, flores estas que emanam com mais intensidade seus perfumes por volta do meio-dia, quando o sol está mais forte.

Ainda com os olhos cerrados, cabeça levemente inclinada para o alto, girando-a vagarosamente, ora para direita, ora para esquerda, tinha aspirações intermitentes, como se buscasse um odor específico. Seu rosto deixava transparecer o prazer que sentia. “Sinto nas narinas o cheiro dos jasmins... dos manacás. É uma sensação orgástica... É fantástico!”

Lembrou-se do último churrasco ao ar livre que ele havia promovido em sua bela casa. Queria apresentar os dotes de seu novo criado, um jovem gaúcho, “expert” em assados. Serviram naquele final-de-semana, lingüicinha de porco e costela bovina somente com sal grosso. Seus convidados, mais acostumados com hambúrgueres e salsichas, adoraram a novidade. Havia uma vintena de casais. Figuras ilustres da sociedade novaiorquina. Seus olhos marejaram ao recordar-se de sua bela esposa. Uma hostess impecável. Ele adorava Elisabeth. Aliás, depois dessa festa, nunca mais a vira. Cinco anos já se passaram, cinco anos longe dela e de seu maravilhoso jardim.

O som da sirene anunciando o toque de recolher para suas celas, fez Ralph voltar à realidade dentro daquele enorme presídio. Havia sido condenado por corrupção. Pretendia, após ter cumprido sentença, dedicar-se à jardinagem num lugar distante, uma cidade onde ninguém o reconhecesse. Um companheiro de cela que já havia estado no Brasil, sugeriu Brasília. “Você vai se sentir em casa. E com certeza ninguém vai lhe cobrar por seu passado corrupto. E para matar a saudade deste lugar inodoro, a cada quadra, certamente você encontrará um monte de flor que não se cheira.”

13/6/2006 19:05:16

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 17/12/2006
Código do texto: T321022