Um Pouco Mais de Chá

Ainda estava quente em minhas mãos, emanando uma espiral que se enovelava em aroma doce e suave.

Tomei o ultimo gole, mas permaneci com a xícara em mãos, observando o contorno das flores desenhadas nela, aquilo havia sido um presente de minha mãe para minha nova casa, ela só me visitava uma vez ao ano e estranhamente ela era um pensamento diário.

Minhas saudades andavam contínuas e cada vez mais repetitivas, pensava em certo rapaz a cada duas horas, em média, mas quando anoitecia e o céu se descortinava em pingos volumosos de água, não havia nada que pudesse me tirar do topor e fazer-me parar de lembrar.

Em noites como essa, tomava tantas xícaras de chá quantas fossem necessárias para aquecer e me fazer cair no sono, mas já era a quinta que eu enchia agora.

Coloquei mais água no fogão e, recostada na janela da varanda, fiquei esperando a água escorrer da vidraça.

Por alguns segundos meus pensamentos pareciam silenciosos.

O vapor já denunciava que a água estava quente o suficiente e coloquei dois saches dentro do bule.

A sexta xícara estava na minha frente e uma vontade súbita e comum de ligar para ele desejando-lhe uma boa noite, mas não deveria importuná-lo, ele deveria estar feliz e não podia interromper toda essa felicidade com uma ligação minha.

Quando eu era pequena e ia dormir na cama de minha mãe depois de ter tido um pesadelo, ela me dizia, enquanto afagava meus cabelos, que para ter bons sonhos devia orar e conversar com Deus pedindo-lhe, ela me ensinou uma porção de orações, eu as repetia todas as noites e em seguida pedia que me deixasse longe de pesadelos.

Não sei quando perdi este hábito, mas já perdia as contas de quando fora a ultima vez que recitara aquelas palavras com uma fé verdadeira.

Então, comecei baixinho:

- Pai nosso...

Parei ao ouvir minha voz, não fazia sentido, não soava como quando era pequena, não era necessário pronunciar aquelas palavras repetidas.

Tomei o ultimo gole de chá tendo a certeza de que Ele não precisava que eu orasse recitando palavras que apenas saiam de minha boca e não de meu coração, fui aquecendo minha alma com o calor da xícara em minhas mãos, me aproximando da janela.

Desejei ver a Lua através do vidro, isso sempre me ajudava a acreditar, mas agora, só nuvens escuras num céu negro, nenhuma estrelinha, nenhum sinal do brilho do Luar.

Fechei meus olhos desejando ver algo belo, algo que aumentasse minha fé e com toda minha vontade e pouca religião, disse:

- Deus, dá um beijo nele e deseja boa noite por mim?

Uma paz me tomou conta, duas lágrimas silenciosas escorreram em meu rosto e agora parecia que todo o chá havia feito efeito, estava pronta para dormir, finalmente.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 22/09/2011
Reeditado em 23/09/2011
Código do texto: T3235515
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