MENSAGENS NATALINAS

Carlos Augusto parou na praça próximo a igreja matriz. Escolheu um banco bem defronte ao chafariz. Afrouxou o nó da gravata, abriu o paletó e respirou fundo.

“Espero que os funcionários da minha empresa não me vejam hoje, aqui nesta praça.”

Olhou para o firmamento e encantou-se com o número de estrelas.

“Deveria ser proibido alguém ficar depressivo numa noite linda como esta” — pensou.

Premeditadamente mergulhou num passado que sabia, iria lhe acrescentar umas doses a mais de melancolia. Nitidamente o filme escolhido começou a ser rodado em sua mente.

Viu-se na varanda de sua casa naquele pequeno sítio de seu avô. Seus pais e irmãos todos já vestidos com pijamas, olhando as estrelas e respirando aquele delicioso e puro ar que tinha o cheiro do verde que abundava nas cercanias. Era Natal. “Neste ano, ganhamos uns carrinhos de madeira e minha irmã ganhou uma bonequinha.Todos brinquedos de verdade comprados no armazém do Seu Túlio. Mamãe ganhou uma máquina usada de costura. Já fazia planos com relação as suas futuras costuras. Nosso vestuário com certeza iria melhorar bastante. Papai estava orgulhoso por poder dar a todos, aqueles presentes. Trabalhara duro na lavoura e o tempo ajudou...” O barulho de uns foguetes interrompe a sessão nostalgia.

Carlos Augusto, abre a quarta garrafa de vinho tinto da noite e começa a beber da mesma forma, no gargalo. Após dois anos, voltara a beber há quatro dias. Foi o suficiente para criar conflitos domésticos e ter infringido um combinado com sua esposa de que se voltasse a beber, o melhor seria a separação de ambos.

Mais uma vez o álcool estava mostrando para ele, o látego. As conhecidas portas do inferno abriam-se para recebe-lo com todas as prerrogativas concedidas aos infortunados, de forma avassaladora.

Pensou em jogar fora as outras duas garrafas que ainda estavam cheias, mas sabia ser uma outra atitude insana, pois seu organismo agora iria exigir mais doses. Sabia que após a ingestão do primeiro gole, a perda de controle para organismos como o dele era uma condição implacável e inequívoca.

Absorto em seus pensamentos, já pensando em voltar para casa e desculpar-se com sua mulher, não havia ainda notado dois mendigos assentarem-se no mesmo banco. Foi interpelado por um que pedia fósforo para acender o cigarro. Meia hora depois, sua esposa triste e constrangida, recebe uma inesperada e desafinada serenata, implorou da janela do quarto que ele e seus dois novos amigos fossem embora ou seria obrigada a chamar a polícia.

Ao saírem dali, descuidados, os três foram atropelados por um automóvel cujo condutor estava também embriagado.

No tribunal, a pena do motorista foi atende-los com banhos e outras pequenas atenções durante a permanência dos três, que engessados, ficaram no leito por quatro meses.

Carlos Augusto mais tarde, recuperado, veio a contratar para sua empresa seus novos amigos: os dois mendigos e o motorista. Hoje todos eles freqüentam um grupo de mútua-ajuda (AA).

Há quinze anos que os quatro, em noites de Natal, percorrem praças e hospitais, levando uma mensagem de vida, tentando, minimizar o sofrimento daqueles que um dia desenvolveram uma doença, chamada Alcoolismo.

24/12/2005 21:07:16

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 23/12/2006
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