céu da fazenda

-É tão bom olhar os bichos assim, né Vandim, na beira da estrada?

-“Só não acho bom você matar eles desse jeito. Eles são de deus, Jardel.

- Acho que sim, mas a carne é boa e alem do mais você jurou que vinha caçar comigo.

Durante o verão a gente passava na casa minha tia, que ficava na fazenda Mangerona. Um sitio pequeno, com muitas frutas e riachos, caminhos de flores de ambos os lados, a cancela velha torta e caída, que era do tempo

que meu avô criava gado. Não mudava nada conforme nossa infância se passava. E todo anos a gente ia, eu e Jardel, que entre nós, era o mais corajoso. No lago entrava no fundo, bem fundo, nem parece menino. Pulava e sumiu dentro da água preta. Passava um tempão, um silencio agoniado ficava me perturbando. De vez em quando um bolha subia e estourava, acelerando meu coração. Até ele colocava um braço pra fora em outro canto, bem uns dez metros depois. E gritava forte imitando macaco. Dava tanto medo dele num voltar.

A casa era muito grande, com janelas azuis, batentes de mogno, toda branca. Era comum depois do almoço ficarmos só ouvindo a gritaria da natureza, que deixava a gente surdo. As banana todas furadas de bico de sanhaço. Outras apodrecendo no pé. Logo do lado, atrás da matinha havia a fazenda de seu Leôncio, onde toda manha íamos buscar leite. Era bom ficar solto daquele jeito, longe da escola e das nossas obrigações, acordar e não ter nada pra fazer, só brincar e correr pelos matos. Até quando a urtiga pegava a nossa pele era bom, porque dava pra ver o Jardel dar umas ridadas e parar de querer matar passarinho. A perna cortada de mato, riscada de vermelho de sangue, era uma coceirada na hora de dormir....

- Vem comer, Vandim – Era o grito do meio dia, faminto, muita carne, abóbora, feijão, comia sem pensar, tomava água e na frente da casa, pendurado no balanço de tapuia esperava o céu esfriar, perder força pra toda vagabundagem começar....

Do meu balanço olhava pra Jardel. Tao grande já, daqui a pouco vai parecer um rapaz, a voz de vez em quando, lembra a de meu pai quando esquece que é criança, conversa comigo com todo cuidado, olhando nos meus olhos e me falando dos cuidados que temos que ter. Eu gostava muito de olhar o jeito dele

quando estava distraído, porque ai via ele direitinho, sem jeito nenhum, já via o jeito que seria quando ficasse grande, os cabelos loiros de sol, não parecia com os meus, que estava muito curto. Corpo dele branquinho ganhava o calor no rosto, nessa hora de sol e o vento, não parava de mexer as mãos, tirando o cabelo do rosto. La na nossa cidade não via ele assim. Acho que é porque ficava ocupado com outras coisas, com a escola. Aqui no sítio não. Tudo se abre e vejo as coisas. Não só ele, as árvores que mudam de cor, a casca vai engrossando e empretando, criando veias profundas, que parece machucar a árvore por dentro, apertando como se apertasse um peito e fica maior.

As gramas que encobre as ladeiras deixando tudo lisinho igual um cobertor. Cobrindo a terra e protegendo. Daqui a casa fica ainda maior, porque veja bem de quina, pegando todas as janelas da lado lateral e a frente, com a porta grande. Eu fiquei assim um tempão reparando nas coisas, o céu estava bonito,

bem azul mais azul que de manha, e vento geladinho dava um gosto de noite a tarde. Jardel colocava as duas mãos no rosto e fechava os olhos, como se quisesse ver o mundo só com os ouvidos. Abaixava a cabeça até o joelho sustentava até explodir pra cima fazendo gracejo como se esgotasse sua força de ficar no escuro. Fazia isso infinitas vezes, eu olhava e tinha vontade de fazer também, mas me envergonhava imitar as besteiras que ele inventava. Sá as vezes escondido e sem ele saber que eu fazia.

Tinha um cachorro, com duas pintas pretas na barriga que subia pro dorso, chamado Dorli, que não saia do lado dele, até quando pulava no lago Dorli entrava junto. De tarde com esse solão ele balança e o cachorro desmaiado perto dele só abria os olhos de vez em quando, pra ver as macacadas de Jardel.

A noite era grilo e sapo, como se eles fosse donos da terra nesse momento, e as corujas entrando no meio, atrapalhando as cantorias, e o céu, era tão longo e sem fim, não terminava na serra, era como se parasse antes dela e afundasse no chão enterrando suas pontas na terra. Bem lá no final da Serra da Coroa, via as estrelas ficando esfumaçadas , quase apagada como se o céu se esticasse até mata da serra. E tinha o frio, que se fazia lembrar quando a dor no nosso corpo era muito grande. A natureza esfregando suas musicas na gente e aquela imagem de céu que não terminava, machado de estrelas e lua bem grandona, molhando o resto da noite de claridade amarela e dourada perto das arvores...Até da o sono, tia Maria trazia chá com bolo, meu tio contava umas historias do tempo dele, aos poucos o céu ia se definhando, perdendo pedaços, não de uma vez mas como o café esfriando, sem agente perceber direito, quando via era minha tia arrancando a gente do sono. Hora de deitar na cama....