O REZADOR
 


          Já havia alguns meses que o clima não estava bom entre Edna e Guimarães. Apesar de jovem Edna tinha um estilo de vida muito conservador e uma saúde frágil, com tendência depressiva – devia ser genético, pois a sua mãe era tal e qual. Beirava o hipocondrismo.
 
          Guimarães despojado. O que se pode chamar de “largadão”. Não dava importância para protocolos nem a convenções. Cético, não aceitava certas crendices e não tinha nenhum vínculo de religiosidade. Não acreditava em nada – pelo menos deixava isso aparente. Isso era ultimamente motivo de discórdia entre o casal.
 
          Edna insistia com o marido de que deveriam ir a Lajeiros, na zona rual de Guarabira, cerca de quatrocentos quilômetros dali, para se consultar com um rezador que estava fazendo fama como curandeiro. Muita gente garantia de que não havia mal que ele não curasse com a sua reza. Casos que até desafiavam a mediciana convencional. Guimarães dizia que isso não existia e alegava a distância e o custo da viagem, segundo ele, para nada.
 
          Certa noite, ao chegar em casa e em encontar a mulher deitada com um pano em volta da cabeça e os olhos inchados de chorar, devido a uma forte dor de cabeça, Guimarães ficou sensibilizado. Lembrou do quanto gastava com coisas supérfluas que não lhe traziam nada e de certa forma da responsabilidade que tinha com aquela mulher frágil, que um dia ele tirou da casa de seus pais ainda com tenra idade. Resoluto ele sentou na beira da cama e perguntou:

          - Você ainda quer ir à  Lajeiros visitar o tal Pai Ambrósio?

          Edna levantou-se quase que de repente e respondeu
prontamente:


          - Quero. Tenho certeza que lá eu vou ficar boa!

          Guimarães define:

          - Se prepara que a gente sair de três da manhã, pra ver se chega cedo e volta antes do anoitecer.

          Naquela noite ele sentiu como se tivesse cometido um grande erro em não ter atendido a esposa em uma coisa tão simples e que há tantos dias lhe pedia de forma encarecida. Talvez por puro preconceito.

          Edna ligou para a mãe e a convidou – coitada precisava tanto quanto ela. Custou a dormir arrumando as coisas e Giumarães remoendo o seu remorso.

          Sairam muito cedo. Edna nem parecia que esteve tão mal na noite passada. Não parava de tagarelar com a mãe e era todo carinho com o maridão que dirigia compenetrado, envolvido por aquele clima de fé que tomava conta da esposa e da sogra.

          Guimarães começou a rever os seus conceitos sobre o assunto. Talvez ele também devesse consultar-se com Pai Ambrósio. Abrir seu coração e mudar de vida a partir daquela experiência de fé, que pela primeira vez tomava conta de seu coração.

          Chegaram ainda cedo à casa do famoso rezador. Já havia muitas pesoas e eles ficaram em uma sala ampla aguardando, onde uma mulher de meia idade lhes prestava assistência, conversando e oferecendo café a chá aos presentes.

          Pai Ambròsio foi anunciado e entra na sala, vindo de um quarto onde tinha algumas fitas e uns quadros sobre a porta. No recinto ele cuprimenta a todos com um gesto de reverência e um semblante de muita paz. Quando ele olhou para Guimarães ficou estático. Guimarães também não conseguia tirar os olhos daquele homem de fama, com uma admiração que chamou a atenção de Edna. Ela abraçou o marido e lhe disse ao ouvido:

          -Ele percebeu que você é uma pessoa que precisa de ajuda espriritual!

          Guimarães nada disse, quase que boquiaberto, quando o Pai Ambrósio faz sinal pedindo para que ele o acompanhasse até os seus aposentos. Edna estava radiante. Só podia ser pela sua áurea. Apesar de não ter apegos à religiosidades o marido era alguém de muitas virtudes, o que foi percebido pelo rezador.

          No quarto, logo que fecha a porta, Guimarães dispara:

          - Nêgo Biu, que história é essa rapaz?... De onde tu tiraste essa história de ser rezador? Tu no máximo foste batizado!


 
          Pai Ambrósio que ali, desmascarado, era Nêgo Biu, companheiro de cachaça e de farras no Colégio Agrícola onde Guimarães estudou na adolescência, pálido, falou com piedade:

- Meu irmãozinho... Pelo amor de Deus fica de “bico” calado. Eu não tinha outra saida pra pagar as contas e no sertão tu sabes que a gente não tem como ganhar dinheiro. Afinal, eu não estou fazendo mal a ninguém. Esse povo, no máximo, toma meio litro de chá por dia com as minhas receitas.

          Guimarães volta à sala depois daquela conversa, calado, acompanha a mulher e a sogra naquele ritual que depois de saber da verdade, era de fato ridículo.

          De volta, Guimarães fica pensativo e admirado com o que havia acontecido. Não pela coragem de Nêgo Biu. Daquele malandro ele podia esperar tudo. O que lhe causava perplexidade era o fato de que a mulher e a sogra tinham ficado de fato, curadas.

 
Damísio Mangueira
Enviado por Damísio Mangueira em 27/10/2011
Reeditado em 13/04/2012
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