Homem sem Personalidade.

De fato todo indivíduo carrega dois eus, o eu interno, ou seja, o que o cidadão pensa sobre si mesmo, os conceitos que carrega, e o eu externo, o que os outros pensam sobre ele, seus conceitos e preconceitos.

Acontece que a máxima que toda regra tem sua exceção faz-se também imperante no presente caso, ou melhor, o caso específico de Ariovaldo era raridade, eis que o mesmo não possuía o conceito próprio de si e vivia impreterivelmente, para não dizer terrivelmente, com base no que os outros pensavam dele. Coisa triste de se ver. Alguns até diziam que Deus se esqueceu de implantar-lhe a autocrítica, no que o pobre do coitado vivia sob os auspícios alheios, sem conseguir soltar um peido que fosse sem a opinião ou consentimento do próximo, o que lhe acarretava diversos dissabores, sem que o mesmo, no entanto, desse conta, já que carregava esse mal naturalmente, sem consentir que deveras há na grande maioria das outras pessoas o livre-arbítrio de seus atos.

Desde sua tenra idade Ariovaldo indagava a tudo e a todos, não por uma curiosidade natural, socrática, mas pelo simples fato se devia ou não fazer as coisas. Mesmo os mais simples atos do cotidiano tórrido, prescindia da opinião de quem estava ao lado, mesmo que a pessoas estranhas. Era a sua natureza não ter opinião nem livre-arbítrio, vivia de acordo com que os outros diziam que tinha que viver, o que lhe impingia uma personalidade autômata, quase robótica.

Seus pais a princípio não notaram nada de anormal no filho, somente quando este foi adquirindo personalidade, se é que se pode dizer assim, é que perceberam que a pobre criança não era normal.

No colégio a coisa foi se acentuando, isto porque Ariobaldo era motivo de abusos e chacotas dos demais coleguinhas, que o faziam de gato e sapato, plantar bananeira, xingar professores e diretores, praticar atos libidinosos sem que o mesmo desse conta de sua magnitude ou desprezo. E riam-se todos às gargalhadas das puerilidades de sua vítima. Achavam-no doido da cabeça, idiota, paspalho, e o apelidaram-no de “escravo”, o que ele até mesmo gostava e ria, dentro de sua inocência.

Com o tempo Ariovaldo passou a ser uma espécie de burro de carga e boi de piranha; passou inclusive a ser o centro das atenções para especialistas e cientistas, que queriam estudar-lhe as transmutações decorrentes de sua anomalia rara. Era disputado a tapas por seus trabalhos braçais, porém jamais conseguiu um cargo de direção ou outro que exigisse criatividade, eis que não possuía competência para tanto.

Houve, porém, um tempo, momento em que Ariovaldo contava com 40 surrados anos de vida, um de seus entes próximos, que não pensava apenas em abusar-lhe, veio com uma proposta: Ariovaldo para prefeito de Pequenópolis!, momento em que o mesmo, por não conter opinião própria, acatou de plano e logo bradou, erguendo os braços em riste:

“É, eu para prefeito de Pequenópolis!”.

E não pensam que fora mera brincadeira, tentativa infausta, fiasco, que nada! Ariovaldo, depois de seis meses de campanha ferrenha, em que tudo e todos diziam o que tinha que fazer e deixar de fazer, e ele ia, fazia e deixava de fazer, como diziam, elegeu-se prefeito de Pequenópolis com estrondosa diferença de votos para o segundo colocado.

Os adversários tentaram de toda forma anular sua candidatura, mas não conseguiram provar nada, pois o mesmo sempre dizia e fazia o que os outros do seu lado pediam.

Em curto espaço de tempo se tornou adorado por todos, fazia e dava de tudo a todo mundo, até o rabo, caso fosse preciso. Reelegeu-se prefeito e em sequencia deputado estadual, fazendo o que pediam. Era feliz assim, ou pelo menos era feliz porque lhe disseram que tinha que ser feliz, vivendo a felicidade dos outros.

Até que num determinado dia, cumprindo férias em Las Vegas, encontrou um médico especialista que lhe jurara haver encontrado a cura para seu suposto mal, desde que estivesse disposto a passar por uma cirurgia cerebral. Assim foi, como não poderia deixar de ser, uma vez que o médico lhe aconselhou, o que era o suficiente para que o fizesse...

Por fim, passou pela cirurgia e se curou, pelo que se sabe das más línguas...

Depois disso sumiu, sendo visto uma única vez vagando a esmo pela Anhanguera, carregando sua “casa” nas costas, feito mochila velha, olhando vez e outra para o céu, parando e pensando por si mesmo, sozinho, com a boca escancarada, sem dentes..., cantarolando uma canção que ouvira certa vez na infância...

SAvok OnAitsirk, 08.11.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 09/11/2011
Código do texto: T3325932
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