Novembro (novembro de 2011)

“Não sei o que vou fazer se perder a confiança do chefe, mas que posso eu fazer para que aceite o meu empenho como prova de confiança?” Disse isso e reduziu a velocidade do carro, já bem próximo de um cruzamento. As luzes de pisca-piscas, nas árvores da praça ao lado, denunciavam a proximidade do natal. “Já é novembro”, pensou Teobaldo.

Atrás do carro, no banco de trás, viajava sua irmã Marília e o bebê. No momento em que pararam o carro, Marília parecia ignorar a praça iluminada e todo o mais que lhe dizia Teobaldo. Tentava amamentar o filho dando-lhe o peito e, neste momento, nada mais parecia lhe importar. O recém-nascido não se mexia e, assim, não parecia estar feliz ou triste.

“Marília, está me ouvindo?” Perguntou Teobaldo. “Sim, não se preocupe com o que o chefe pareça pensar a respeito de você.” Respondeu-lhe Marília e emendou, “É pura preocupação sua, algo da sua cabeça, não há com que se preocupar.” Dito isso, o sinal abriu e Teobaldo acelerou. Redarguiu: “Não acho que você tenha razão, o chefe tem andado muito estranho.”

Fizeram silêncio até que o carro parou, ao lado de uma padaria. Desceu Teobaldo sem dizer o que ia fazer e, fechando a porta, caminhou pela calçada até o interior da padaria. “Um maço de cigarros, por favor.” Disse. “Desculpe, não vendemos cigarros.” Respondeu-lhe a caixa do estabelecimento.

Deu a volta e, com pesar, retornou ao carro. “Deseja alguma coisa da padaria, Marília?” Perguntou Teobaldo à irmã. “Tenho tudo o que preciso aqui, Teobaldo, obrigada.” Segurando o bebê com as duas mãos, levantou-o até a boca e deu-lhe um caloroso beijo. Depois, posicionando o filho rente ao peito, voltou a oferecer-lhe o seio.

Teobaldo entrou novamente no carro e deu a partida. Depois avançou para a pista da avenida sem muito alarde, calado. Todo o canteiro central da avenida piscava freneticamente. Muitos papais-noéis, bolas de vidro, pinheirinhos e estrelas enfeitavam a avenida. Mas os dois não viam grande coisa nisso, e não comentaram nada sobre o fato.

Retornavam os três de uma viagem de dois dias no interior do estado, da casa de uma tia. Dirigiam-se para a casa em que viviam juntos no outro lado da cidade. Não tardaria mais de meia hora para que finalmente regressassem. Teobaldo dirigia o carro com calma, concentrado nos assuntos de seu trabalho e igualmente no bebê de sua irmã.

Passava-lhe pela cabeça, um tanto aflitivamente, que o menino podia estar morto (o que lhe dava grande aflição). Não queria comentar o fato com Marília, para não desesperar-lhe, e também por acreditar que estava absolutamente errado. O bebê estaria vivo e dormia o sono dos inocentes. Tão somente isto.

Marília era mãe solteira. Seu noivo, tão logo soube da gravidez da companheira, sumiu no mundo sem deixar pista nenhuma. Assumiram a criação do filho, então, Teobaldo e a irmã. Ficaria assim: cuidariam os dois irmãos do bebê e o instruiriam como se fossem pai e mãe do bebê. Teobaldo nutria uma afeição incomum pelo menino e aceitou de pronto a ideia.

Fazendo sinal de que entraria à direita, Teobaldo parou desta vez na loja de conveniências de um posto de gasolina. Estava nervoso. Além de preocupar-se morbidamente do bebê, também lhe atacara um medo sobrenatural de perder o emprego, medo do futuro, medo de ser demitido por seu chefe. Por isso, tudo no corpo doía. Precisava fumar um cigarro.

Saindo da lojinha já com os cigarros que comprou, quase desabou no chão ao colidir com um senhor (um velhinho) vestido de papai-noel. Pediu-lhe desculpas e, contornando o senhor caído no chão, seguiu em direção ao carro, estacionado mais a frente. Abriu a porta do carro alvoroçado e, sentando na direção, deu a partida no veículo.

Não pensava tanto na possível perda do emprego; isso lhe doía menos que o sobrinho morto. A seus olhos, o bebê não se movia. Não chorava, não gritava ou esperneava, estava apenas ali, de rosto voltado para o seio de sua irmã, sem esboçar emoção. “Morrera de um mal súbito, é o que tudo indica...” Pensou Teobaldo. “O pequeno morreu.” Isto era certo.

“O que dizer a Marília? Acaso, já não teria notado também que o filho está morto?” Mas vacilava, “Não, o menino apenas dorme, por isso não se move, por isso não esboça vontade ou qualquer emoção.” Os pensamentos acerca do menino lhe atropelavam ao volante, e faziam com que lhe devotasse atenção através do espelho retrovisor interno.

“Angústia de poder não ter mais o emprego, é verdade, mas nada pior do que ver o nenê morto pelo retrovisor.” Pensou Teobaldo, dividido entre suas preocupações de trabalho, o filho morto de sua irmã, e o trânsito na avenida decorada por estrelas coloridas, pinheiros e papais-noéis. Sentia todo o corpo doer e, então, acendeu um cigarro para acalmar-se.

“Morreu no momento em que dormíamos, durante a noite.” Divagava em silêncio. “Morreu engasgado com o peito de Marília, ou quem sabe foi mal súbito?” Teobaldo sentia doer o estômago e algo parecia furar a barriga. Era grande o seu mal-estar. “Meu sobrinho morreu e não tenho o que dizer para sua mãe.” Continuou divagando: “Marília não teria notado nada?”

Imediatamente, um choro estridente atravessou o carro: “Chuá-chuá!” O bebê despertara, aparentemente, de seu sono profundo: “Chuá-chuá!” Marília sacolejava o filho, acolhendo em seus braços fartos o pequeno. Ninava de um lado a outro, para ampará-lo. Teria fome, teria necessidade de que o abraçassem, ou chorava não se sabia o porquê: “Chuá-chuá!”

Estava morto ou estava vivo, o pequenino? Estava vivo e impunha sua presença com a força estridente de seu choro, no momento em que o carro passava pela orla e coqueiros balouçavam de um lado a outro. Enquanto isso, Marília ninava o bebê contra o peito nu. Às vezes, o seio lhe escapava da boca e ele gritava ainda mais estridente seu “Chuá-chuá!”.

Estava enganada Marília e ele seria, sim, demitido pelo chefe: sem emprego, teria sérias dificuldades para sustenta-la e ao bebê também. Mas, Teobaldo dirigia o carro calmamente pela orla da praia ciente de que logo estariam em segurança de volta a casa. O bebê mamava, sua mãe era toda felicidade, e Teobaldo dirigia o carro. Sorriu incógnito: Feliz Natal!

Leo Marques
Enviado por Leo Marques em 15/11/2011
Reeditado em 26/06/2012
Código do texto: T3337396
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